Voluntariado, coração da Cruz Vermelha

Fundada por José António Marques, a Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) iniciou a sua atividade a 11 de fevereiro de 1865 sob a designação de “Comissão Provisória para Socorros e Feridos e Doentes em Tempo de Guerra”. Cristina Louro, atual vice-presidente da CVP, comanda um ‘batalhão’ de voluntários e defende que a sua qualificação é extremamente importante.

ECCLESIA (E) – O voluntariado é o coração da Cruz Vermelha Portuguesa?

Cristina Louro (CL) – Um dos sete princípios da Cruz Vermelha é o voluntariado. A Cruz Vermelha, por natureza, é uma organização voluntária. Desde o presidente até aos restantes membros da direção e membros das delegações locais, somos todos voluntários. Depois temos os voluntários que trabalham no terreno mais diretamente: emergência, idosos e crianças. No todo, temos cerca de 11 mil voluntários.

 

E – É difícil gerir este conjunto heterogéneo de pessoas?

CL – É difícil porque o recrutamento tem de ser muito criterioso. Temos várias áreas e as pessoas têm de comungar os sete princípios humanitários da Cruz Vermelha. Depois têm de ser selecionados, conforme o perfil que necessitamos. Num perfil de emergência, onde as pessoas estão numa ambulância ou a acudir a uma catástrofe, é fundamental terem determinados pressupostos. Em cada área devem ter um perfil próprio. Nem todas as pessoas têm perfil para serem voluntárias. Voluntário é uma pessoa ter uma obrigação com muitos deveres para cumprir: horário, conduta pessoal e comprometimento com o serviço que está a fazer.

 

E – Este ano tem-se falado muito nas questões do voluntariado – o Ano Europeu do Voluntariado é para isso mesmo – pode falar-se do voluntariado profissional e profissionalização do voluntariado ou é um contrassenso?

CL – Falava-se muito em profissionalização do voluntariado, mas um bocado mal aceite porque acaba por colidir: as pessoas não sabem quem são os voluntários e quem são os profissionais. Então alterámos a nomenclatura e passou-se a chamar voluntários qualificados. A qualificação do voluntariado é extremamente importante. O voluntário deve estar qualificado para a tarefa que executa.

No entanto, aceito também o termo profissionalização porque, se estou a «full-time» na Cruz Vermelha, não sou paga, mas sou profissional. O voluntário prolonga e complementa o trabalho do profissional, mas quando o profissional não está, ele tem de o fazer com qualidade. Se tal não acontecer, o voluntário pode estragar todo o trabalho que o profissional fez até àquele momento. Temos de ter muita cautela com o trabalho que fazemos…

 

E – Essa qualificação necessita de formação?

CL – O voluntário tem de ser formado. Primeiro, nos princípios daquela instituição (formação institucional) e depois, conforme a seleção que se fizer, ministra-lhes a formação para trabalhar naquela área. Isso é indispensável. Também lhe conferimos formação contínua. Recentemente, fizemos a nossa escola de verão para gestores de voluntariado para que eles levem novas qualificações para poderem gerir melhor, localmente, o voluntariado. Este tem muitas características locais.

 

[[v,d,2194,]]E – Na bolsa de valores económicos, que valor tem o voluntariado?

CL – Cerca de 14 mil milhões de Euros. É uma coisa louca porque o voluntariado vale muito dinheiro. Na Cruz Vermelha, só em corpos dirigentes somos 1200 que não são pagos e depois os 11 mil.

 

E – Esses 14 mil milhões de Euros são um valor económico. E o valor no tecido social, na sociedade em geral?

CL – Esse não sei calcular porque é incalculável. O trabalho do voluntário dirige-se ao desenvolvimento. Tanto ao desenvolvimento pessoal do voluntário, como ao desenvolvimento pessoal da própria comunidade. A cada dia que passa saímos mais ricos, mas também deixámos algum agente de mudança na comunidade onde estamos inseridos. Os voluntários são imprescindíveis e o valor social do voluntariado é incalculável. Não podíamos viver sem voluntários.

 

E – A Cruz Vermelha aposta agora numa outra área dentro do voluntariado: o empreendedorismo.

CL – Não queremos criar empresas, mas que as pessoas tenham criatividade e serem empreendedoras na resolução de problemas que existem na própria comunidade. Foram esses os novos instrumentos que quisemos dar aos coordenadores de voluntariado. Colocar as pessoas a pensar sobre iniciativas que ajudem na resolução dos problemas.

 

E – Isso exige mais dos voluntários?

CL – Exige sobretudo criatividade. É uma forma de ajuda para que as situações melhorem. É uma mudança de direção que estamos a fazer na Cruz Vermelha: tornar os voluntários com um espírito mais empreendedor, mais agentes de desenvolvimento e de alteração.

 

E – Já têm casos onde esses projetos estão a ser implementados?

CL – Já estamos a implementá-los em várias cidades e delegações nossas, que estão a fazer um voluntariado muito interessante. Com esse espírito empreendedor criámos um projeto intergeracional em Fafe: cada jovem da Cruz Vermelha é padrinho de um idoso, visita esse idoso regularmente.

Temos também outro grande plano ao nível do empreendedorismo nas prisões. Estamos em 28 estabelecimentos prisionais e cada delegação já inventou o seu próprio trabalho e queremos colocar no mercado de trabalho os produtos que os reclusos fabricam nas prisões.

 

E – Como se pode capacitar famílias para que elas não entrem num círculo perpétuo de pedidos de ajuda ou quebrar o ciclo de dependência das famílias?

CL – Através da nossa tradição de ajuda criamos o programa «Portugal mais feliz» e estamos a angariar fundos para que esse programa seja uma realidade. Analisamos os casos e fazemos o diagnóstico. Se necessitarem de formação profissional podemos encaminhar para a formação adequada ou a requalificação que ele necessita. Em parceria com outras instituições, olhamos para essas pessoas e questionamos: O que poderiam agora fazer? Temos muitas mulheres empreendedoras e já existem cerca de 40 empresas de mulheres que estão sustentáveis, a nível nacional. Tudo isto porque utilizamos uma metodologia de acompanhamento.

 

AE – Com esses objetivos são necessários muitos mais voluntários?

CL – A grande falha do Rendimento Social de Inserção (RSI) é a falta de técnicos. Não há técnicos suficientes para acompanhar estas famílias. Estas têm de ser monitorizadas. O voluntário tem de estar enquadrado porque todo ele é útil.

PTE/LFS

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Agência ECCLESIA

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