Irmã Fátima Magalhães
Desde 1975, Ano Internacional da Mulher, que no dia 8 de março se celebra “o Dia da Mulher”. Só porque, em muitos países do mundo a mulher é ainda tratada como escrava, como inferior e desvalorizada, é que este dia deve continuar a existir. Desde o afastamento de cargos de chefia até ao apedrejamento, de tudo se encontra neste mundo global. Embora nas últimas décadas se tenham produzidas mudanças significativas nas condições jurídica e social das mulheres, estes processos são lentos e desiguais e a mulher é ainda o “género condicionalmente reconhecido”, como diz o beneditino alemão Anselm Grün no seu livro ‘Jesus, caminho para a Liberdade’.
1 – Pensar Global
De 1200 milhões de pobres, 70% são mulheres e são elas que produzem com o seu trabalho 80% dos alimentos dos países mais pobres. Dois terços dos 876 milhões de analfabetos no mundo são mulheres, 80% das vítimas e conflitos armados são mulheres e crianças. Mais de 25% do total das mulheres do mundo foram objeto de alguma forma de violência física. 500 000 mulheres morrem, a cada ano, por complicações da gravidez e são 500 as que todos os dias perdem a vida por abortos.
A proporção de mulheres com HHV/Sida está a aumentar e as meninas sem instrução correm maior risco do que os meninos. Fala-se hoje muito da “Feminização da Pobreza” porque as mulheres mais pobres sofrem mais exploração; muitas máfias organizaram-se para rentabilizar o seu corpo, considerado-o mais que nunca como mercadoria. Em grupos privilegiados, grande parte da submissão das mulheres dá-se pelo culto ao corpo ou por pressão de mulheres que ocupam posição chave no sistema de produção e de organização, onde reproduzem o mesmo modelo de domínio patriarcal.
2 – A nossa vocação de mulher. Livre para libertar e “estar junto à Cruz”
Jesus Cristo teve a audácia de se aproximar da mulher de a libertar e de lhes dar a missão do discípulo: “Servir”. Não as mandou a anunciarem o Reino pelos campos da Galileia porque dados os condicionalismos da época a sua palavra teria sido rejeitada mas a presença das mulheres no meio dos discípulos não eram secundária ou marginal. Estavam habituadas a ocuparem os últimos lugares e o seu lugar era “servir” que para Jesus é a orientação de qualquer discípulo
“Estou no meio de vós como quem serve”.
A mulher oprimida foi libertada por Jesus tanto das ataduras mentais que a sociedade e a cultura do seu tempo tinham imposto como das suas próprias ataduras, que não a deixavam viver o seu ser de imagem de Deus. Também foi libertada dos seus próprios egoísmos, chamada a ser testemunha da Ressurreição e portadora deste anúncio.
3- Em tempo de crise realço a nossa vocação de mulheres: “estar de pé junto à cruz”
É a vocação da maternidade de Maria. Estar junto à cruz de Jesus quando outros se afastam. Pela nossa sensibilidade, dedicação e entrega somos vocacionadas a estar ao lado dos que sofrem com misericórdia e ternura, “limpando as chagas” de tantas mulheres violentadas e maltratadas “enredadas” em teias de exploração e dor.Estar de pé “junto à cruz” é acolher no coração os gritos da humanidade sofredora, todas as mulheres e crianças que precisam de ser acolhidas no mundo atual . E este sofrimento está aqui ao nosso lado no nosso bairro na nossa rua, em todas as classes sociais. Todos os dias vêm ter comigo mulheres que sofrem na pele o desemprego, o dos filhos, o do marido. E é sempre a mulher que dá a cara: “ O dinheiro não me chega para a água, Luz, renda farmácia”. E é sempre outra mulher ou um grupo de mulheres que voluntariamente acolhem esta cruz e dão respostas de ressurreição. Os projetos sociais, as organizações de voluntariado estão sempre ligadas a mulheres que tecem a vida servindo os outros. Onde está uma mulher sofredora está outra mulher com um projeto de esperança.
É esta a vocação da mulher cristã. Gastar-se pelos outros sem esperar reconhecimento algum e em todos os projetos que assina desejar apenas que resultem e sirvam a humanidade.
4- Desafio das Mulheres na Igreja: Protagonismos diferentes mas igual dignidade
Na missão da Igreja todos temos lugar e às mulheres não nos falta trabalho. Complexos de inferioridade e superioridade à parte, não existem papéis maiores ou menores no cenário da missão evangelizadora; o que há é protagonismos diferentes com a mesma dignidade.
Creio que também se pode aplicar na Igreja o velho slogan: “Todos iguais, todos diferentes” . Todos iguais porque todos filhos no Filho e todos diferente porque para Deus cada um é único e irrepetível. Deus ama no singular e a cada um com a sua especificidade.
Sinto-me bem na minha missão na Igreja de estar junto à cruz, de fazer o meu “Retiro” na rua, todos os dias junto de quem sofre. Neles me encontro com Jesus todos os dias e escuto: “Foi a mim”.
A Igreja, sempre assistida pelo Espírito Santo, situada no mundo e para o mundo há de continuar a juntar a sua voz à proclamação da igualdade de género e contar com a mulher para intervir, liderar e servir na Igreja. É este o meu lugar de mulheres cristã. Gastar-se pelos outros sem esperar reconhecimento algum e em todos os projetos em que me envolvo desejar apenas que resultem e sirvam a humanidade.
Discípulos ou discípulas de Cristo todos somos chamados a “celebrar a Eucaristia” embora de maneiras diferentes. Todos temos que tornar o Senhor presente na humanidade e sabê-lo presente nela.
Gosto de pensar que no Monte das Oliveiras, junto de Jesus a suar sangue, as mulheres não teriam adormecido e que as mulheres também não discutiriam como os homens sobre quem tinha o primeiro lugar. À medida que Jesus vai para a cruz, os homens afastam-se e as mulheres aproximam-se. Estão junto à cruz até ao fim sem traições, negações ou abandonos.
Não foi uma mulher que o negou, nem uma mulher que o traiu. Não foi um homem que lhe limpou o rosto no caminho da Cruz. O Cireneu foi “obrigado a levar a cruz”. Foram as mulheres que foram ao sepulcro e que O reconheceram na manhã de Páscoa. Não porque somos melhores, mas porque somos diferentes. É esta diferença que enriquece a sociedade e a Igreja.
Sermos Maria, a Mulher Crente que está junto à cruz, que ama, que inclui nas sua lágrimas as lágrimas dos que hoje choram. Quem sabe se esta CRISE atual, que no fundo é uma crise de valores, não se deve às assimetrias desta parceria de género… Há um longo caminho ainda a percorrer na valorização da mulher e nesta parceria em paridade. Creio que essa descoberta terá de ser interiorizada, acreditada, defendida e ostentada.
Se me pudesse alargar apresentava uma imensa galeria de mulheres que na Igreja foram “santas e sábias”.
Nomeio apenas duas cuja espiritualidade é de extrema atualidade para os dias de hoje. Teresa de Ávila – Apelo à interioridade (1515-1582) : “Nãos considereis vazias… dentro de vós, como num castelo de rara beleza e mui fino cristal, mora Jesus Cristo. Peço que olheis para Ele.”
Teresa de Calcutá – Apelo ao Amor (1910-1997): “Não devemos permitir que alguém se afaste de nós sem se sentir melhor e mais feliz”
Irmã Fátima Magalhães -stj