Viver o ecumenismo no casamento

Um pastor presbiteriano e uma catequista católica falam da sua relação e das reacções que suscita

Foi na Universidade Católica Portuguesa que se encontraram, em Lisboa. Pedro Brito, de 36 anos, e Elizabete Francisco, 34, casaram no passado dia 15 de Novembro, depois de seis anos de namoro, numa cerimónia celebrada pelo Pe. Carlos, jesuíta, e pela pastora Eva Michel, presbiteriana. Em comum, o facto de serem cristãos e o amor que os une, num casamento especial: ele é pastor presbiteriano, ela católica, catequista.

Agência ECCLESIA – Nunca foi um problema serem de confissões diferentes?

Pedro – As raízes da minha família sempre foram católicas. Nunca tive nenhum problema com a Igreja Católica. Costumo dizer, a algumas pessoas que estou mais próximo da Elizabete do que de muitas pessoas da minha confissão.

AE – Porquê?

Pedro – Em termos de ideias. O fundamental para nós é Cristo e tudo o que é em torno de Cristo. Tudo o que cerca não é fundamental. Focamo-nos nesse aspecto. Por vezes debatemos questões confessionais, mas mais na perspectiva de cada um compreender a perspectiva do outro. No fundamental estamos muito unidos.

AE – Nas celebrações litúrgicas como se organizam?

Elizabete – Cada um faz a sua oração pessoal. As orações comuns acontecem antes da refeição. Eu sigo sempre um rito católico, geralmente termino as minhas orações com «glória ao Pai» e o Pedro diz sempre «Em nome de Jesus Cristo» e respondemos «Amen». Quando temos visitas nota-se a diferença se é um ou outro a conduzir a oração.

AE – E a celebração de Domingo? O Pedro tem responsabilidades pastorais…

Pedro – Cada um vai à sua Igreja. Sou pastor e tenho os meus serviços. Tenho duas igrejas a meu cargo e a Elizabete frequenta a Igreja Católica.

Elizabete – O mais interessante é que trabalhamos na mesma comunidade. Sou enfermeira e frequento a igreja católica das Alhadas, onde dou também catequese. No início colocavam-se muitas questões: «Então, o pastor deixa ir a sua mulher à Igreja?». Com naturalidade, os rituais continuam como cada um sempre os realizou. Eu sempre o conheci como protestante e ele sempre me conheceu como católica.

Pedro – Por vezes, na igreja onde eu vou, as pessoas perguntam-me pela Elizabete e alguns dizem que ela, como eu sou pastor, deveria ir comigo. Mas eu acho que não há razão nenhuma para ela sair da sua confissão. O ideal era que as duas igrejas se unissem. Como isso ainda não aconteceu temos de respeitar. Acredito que não faltará muito tempo para o Cristianismo encontrar outras formas de união. Isso está já a acontecer em alguns locais da Europa – ser comunidade de Cristo fora das instituições. Não à margem, mantendo as tradições, mas encontrando formas inovadoras.

AE – É possível ver para além da própria identidade institucional?

Elizabete – Existem jovens que se reúnem em Lisboa e são um exemplo real: uma comunidade que se reúne, em que rezam todos juntos. Identificam-se como cristãos que rezam.

Pedro – O Cristianismo tem de passar pela comunidade. Não há cristianismo individualista.

AE – A vossa vivência é um exemplo de que é possível a união?

Elizabete – Há amigos que acham interessante. O nosso dia-a-dia passa para as outras pessoas e nós nem nos apercebemos. Fazemos com simplicidade, tal como os outros casais. A base é o respeito. Não é muito diferente de outros casais.

AE – E os filhos?

Pedro – Essa é a pergunta clássica. Quando dizemos que eu continuo protestante e a Elizabete católica as pessoas compreendem. Mas surge a questão de onde educar os filhos. Nós não sabemos. O que interessa é o que continuamos a fazer. Nós relacionamo-nos bem e a nossa fé não está separada do que somos. A Elizabete surgiu na minha vida porque Deus a pôs na minha vida. Se os filhos chegarem vamos continuar focados no mesmo tipo de relação que temos até agora e que ultrapassa as confissões.

Perguntam-me como pastor que exemplo darei se os meus filhos não forem à minha Igreja ou «Como é que vou ter crianças na escola dominical se os teus filhos vão à catequese?» Se eu souber que na Igreja Católica ensinam melhor a Bíblia e o Evangelho de uma forma mais autêntica e verdadeira, porque não?

AE – Na prática serão eles a escolher quando forem mais velhos?

Elizabete – Não. Tem de haver uma educação desde o início. Desde a concepção ou desde a nascença existe já uma relação dessas pessoas com Deus. Se os pais são crentes, estes vão naturalmente introduzi-la na relação com Deus. O mais importante é desenvolver esta relação. Quanto à confissão, não sei. Vejo tantos que foram educados na Igreja Católica ou Protestante e depois professam outra coisa ou são agnósticos ou ateus. A educação será feita com a presença de Cristo.

AE – A comunidade presbiteriana questiona a vossa relação?

Pedro – Está demasiado enraizado, acho que culturalmente, que o pastor tenha de ter uma mulher que, não sendo oficialmente pastora, o ajude. Na Igreja presbiteriana eu não conheço outro casal que tenha outra pessoa tão empenhada como a Elizabete é na Igreja dela. Eu sempre tive uma postura de relativização perante a instituição. O que é importante é anunciar Cristo e o Evangelho. A Elizabete ajuda-me muitas vezes teologicamente.

Elizabete – Eu sinto-me querida nas comunidades protestantes. Sempre me senti muito acolhida. No colectivo poderão surgir algumas questões, mas penso que mais culturalmente.

Pedro – O nosso testemunho é o amor que nos une aos dois e depois a Deus. A história vai-se fazendo.

AE – Até que ponto a aproximação entre as igrejas cristãs é efectivo?

Pedro – Há de facto um trabalho feito nos últimos anos. Mas o diálogo ecuménico estagnou. As pessoas continuam presas às suas instituições. O objectivo cimeiro do movimento ecuménico é que a unidade fosse visível. E isso não se vislumbra. Penso que seria essencial que o diálogo nas cúpulas tivesse caminho por onde andar e não vejo isso. O movimento ecuménico vai continuar a existir pela base e através da formação de comunidades.

Elizabete – Quando todos participarmos da mesma mesa, aí seremos uma comunidade visível e os entraves serão ultrapassados. Enquanto isso não acontecer, temos ainda um grande caminho para fazer. 

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Agência ECCLESIA

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