A meio do Sínodo Diocesano o bispo de Viseu antecipa a formação dos cristãos como uma reforma a realizar. Para isso quer envolver os padres que pediram dispensa do sacerdócio com o objetivo de alicerçar a fé dos que estão dentro e ir ao encontro de quem se distanciou da Igreja Católica.
D. Ilídio Leandro, bispo diocesano, fala à ECCLESIA dos desafios que se colocam à Igreja viseense, em plena caminhada sinodal, perante os sinais de afastamento da prática religiosa, por parte dos católicos, e face a uma situação económica e social que coloca cada vez mais problemas.
Ecclesia (E) – A Diocese de Viseu foi das poucas que realizou um recenseamento da prática religiosa e os resultados demonstram uma quebra acentuada na prática dominical. Estes resultados estão a ser estudados?
D. Ilídio Leandro (IL) – O recenseamento tinha como objetivo contribuir para a construção do Sínodo Diocesano (que começou em 2010, ndr) e este procura fazer e acreditar numa renovação na diocese. Esta renovação só é feita partindo da realidade.
O Sínodo tinha de partir da questão – o que é que a Diocese de Viseu está a perder de essencial e o que é que podemos dar às pessoas que estão descrentes, motivando-as para o que é importante?
Estamos a fazer este caminho e vamos acreditar que ao longo destes cinco anos – de que já passaram dois e que nos vai levar a 2015 e aos 50 anos do encerramento do Concílio Vaticano II – vai ser fundamental na nossa renovação dar perspetivas de esperança a todos que se sentem descrentes na diocese de Viseu.
E – O Sínodo, que começou em 2010, encontra-se a meio. Que balanço pode fazer?
IL – Dentro do que projetamos e da avaliação que sistematicamente fazemos o balanço é positivo. Terminámos os dois primeiros anos que tiveram como centro o estudo das quatro constituições fundamentais do Concílio Vaticano II. Constatámos que o que falta de essencial nos cristãos de Viseu é a formação – viver uma identidade a partir do reconhecimento de valores fundamentais que devem construir o crente.
Ao entrar numa segunda fase, que se vai centrar no inquérito global feito à diocese, para posteriormente passarmos às propostas e às assembleias sinodais, constatámos que apostar na formação vai ser decisivo e, antecipando, talvez das conclusões mais fortes no Sínodo diocesano.
Estamos a prever que o Sínodo mobilize as pessoas a pouco e pouco, desde os sacerdotes a agentes da pastoral, e mobilize quem está mais dentro para ir ao encontro de outros e, consequentemente, dê mais qualidade ao testemunho e ação. A começar pela própria celebração de domingo.
Se o recenseamento foi na prática dominical, damo-nos conta que a forma como se vive o domingo desmotiva. Este ano pastoral está a ser vivido segundo o tema «É domingo, juntos na festa» precisamente para marcar este dia junto dos que vão à missa mas também junto de quem não pratica e não tem fé.
Queremos implicar no domingo valores como a festa, a família, as relações humanas, o partilhar algo diferente que dá sentido à vida e não se encontra durante a semana. O valorizar o domingo é já de si, numa conclusão do Sínodo, uma dimensão importante para darmos mais qualidade e dignidade à vivência cristã.
E – Sobre a situação do país, como é que a Igreja acompanha e como é que está a dar resposta a situações dramáticas?
IL – A Diocese de Viseu procura através das suas Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) – são 84 e cobrem a diocese, para além da existência de outras instituições não ligadas à Igreja – cobrir as solicitações, mas começam a não ter capacidade de resposta para todos os pedidos, sobretudo à maiores dificuldades que se centram no emprego, que desencadeiam outras consequências, nomeadamente a realização e dignidade da pessoa e de cada família.
A diocese sente-se impotente perante muitos destes aspetos. O que mais me interroga é a falta de esperança. Parece que os políticos portugueses e europeus vivem hoje a ausência de esperança. Vive-se dentro de um mar de dificuldades sem perspetiva de saída.
Naturalmente que a Igreja tem uma visão muito marcada pela esperança, na aurora que vai acontecer. Mas no quadro político isso não se sente.
E – Essa descrença reflete-se nos cidadãos?
IL – Reflete-se nos cidadãos e na incapacidade de olhar com alguma expectativa o dia de amanhã. Nós acreditamos que este tempo vai passar – são crises cíclicas e que neste momento se prolongam por um tempo demasiado longo – mas eu gostaria que os políticos fossem capazes de dar a dimensão da esperança.
Neste momento apenas apresentam cargas e cortes e diminuição de expetativas de crescimento e desenvolvimento que tiram a capacidade de reação das pessoas.
Mas acredito que não vamos ficar aqui. O esforço que estamos a fazer e que é notório, brevemente vai apresentar a luz no túnel.
E – Nas 84 IPSS da responsabilidade da Igreja há situações de rutura nas respostas?
IL – Não aceito situações de rutura quando são instituições da Igreja que têm a partilha, a solidariedade e o amor como valores fundamentais. Num momento em que uma instituição não puder responder às necessidades tem de se fazer um novo apelo à capacidade de dádiva e partilha que os cristãos e não só, todos os que são solicitados são abertos à partilha. Por isso, neste momento não há rutura.
Mas que há mais pedidos e mais famílias a sentirem a necessidade de apoio, isso com certeza.
E – Promoveu um encontro com os padres da diocese que abandonaram o sacerdócio. Como decorreu este encontro?
IL – Já realizámos três encontros. Foram reflexões importantes mas chegamos a um momento em que nos interrogamos sobre como é que os padres que pediram a dispensa do exercício do sacerdócio se podem integrar mais na ação da Igreja.
Neste momento estou a preparar um encontro com todos os que têm formação teológica – não será apenas com os padres que pediram dispensa do ministério sacerdotal, mas também com os professores de Educação Moral e Religiosa Católica, os diáconos e antigos alunos de Seminário que completaram o seu curso de teologia mas ausentaram-se da vida da diocese.
Quero colocar-lhes esse problema – que contributo podem dar na formação que estamos a concluir ser a aposta fundamental na diocese de Viseu? Esta formação deve englobar os agentes da pastoral mas deve também propor um caminho para aqueles que sendo cristãos porventura ficando numa formação mais básica e até sem iniciação cristã completa.
E – Esse encontro tem data marcada?
IL – – Não há ainda uma data concreta. Talvez na altura da Quaresma.
E – Com quantos sacerdotes que pediram a dispensa do ministério se reuniu?
IL – Muitos não vivem na diocese – alguns estão em Lisboa. Nem todos participaram nos três encontros, mas contámos sempre com cerca de 20 presenças.
E – Eles queixam-se da falta de atenção por parte da Igreja ou da falta de alguma missão?
IL – Eles não se queixam, mas há pouco referi a interrogação que partilhámos. Há sempre uma dificuldade de apresentar uma possibilidade de servir a Igreja sendo eles padres porque pediram a dispensa do exercício sacerdotal mas não deixaram de ter o sacramento da ordem.
Não se queixam, mas por vezes lamentam – uns lamentam profundamente um certo ostracismo, um esquecimento, uma marginalização mesmo que em algumas situações.
Todos falaram e todos fizeram propostas para a diocese. Há alguns bem realizados e felizes na relação que têm com a Igreja porque estão identificados com a sua missão e vocação.
E – Ordenou há cinco meses os primeiros diáconos da diocese. Que contributo estão a dar a esta comunidade?
IL – Cada um dos 10 ordenados foi mandatado para receber uma missão na diocese – concretamente nos secretariados diocesanos ou da pastoral social, ou da família, ou da educação cristã – e também exerce a sua colaboração com um pároco nas paróquias que o sacerdote orienta. Os diáconos permanentes estão ainda a alargar o seu horizonte de agentes pastorais uma vez que estão integrados no arciprestado.
Estão ainda a colaborar comigo porque considero importante a partilha próxima com o bispo.
Penso que o contributo está a ser positivo e está também a servir para aprofundar a missão da Igreja enquanto servidora da humanidade. Se o sacerdote tem como orientação a realização da ação de Cristo nas comunidades, o diácono permanente tem como missão a expressão do Cristo servidor, nas mais diversas dimensões.
E – As Jornadas de Teologia, em Viseu, debateram «A Fé numa sociedade sem referências». Na sua opinião, que referências se foram perdendo nesta sociedade contemporânea?
IL – As referências relacionam-se com o acreditar na transcendência. O homem tornou-se ídolo de si próprio, deixou de viver a sua vida em relação. E quando perde a alteridade, a referência ao outro, e este Outro, com letra grande que é Deus, o homem procura-se a si próprio e ilusoriamente constrói a sua vida pensando que, realizando-se a si próprio, realiza o ideal de si mesmo e um ideal que é portador de felicidade.
Hoje a falta de referências centra-se na solidão do homem. Olha-se e vê-se um vazio, um anular de convicções.
Hoje a falta de convicções e a falta de referências assenta na falta de relações com os outros, em pé de igualdade e com Deus. Esta relação, origem e fonte de toda a comunhão, seria consequência de uma vida fraterna, da dignidade humana e de uma sociedade com valores em vista ao bem comum.
E – A Igreja Católica foi uma das instituições que mais sofreu com a perda dessas referências na sociedade?
IL – A Igreja não perdeu porque só existe enquanto acredita na missão. A Igreja continua a ver a missão de Jesus Cristo e de construção do reino. Mas vai perdendo espaço e, ela própria também, referências uma vez que se sente isolada e ausente dos contornos da missão.
A Igreja, construída por pessoas e pela sociedade, realizada nas pessoas e na sociedade deste tempo, vai sendo truncada na sua orientação e vai-se interrogando até que ponto é capaz de, na contemporaneidade das dificuldades, projetar a missão que está no Evangelho e que hoje numa Nova Evangelização tem de surgir com contornos novos, procurando viver a alegria e o entusiasmo que deve pautar cada tempo e a origem de cada anúncio.
Ao celebrar os 50 anos do Concílio Vaticano II a Igreja deve permanentemente interrogar-se até que ponto a alegria e o entusiasmo, que o Evangelho projeta em quem vive e testemunha a fé, está presente hoje nas pessoas que solidificam a Igreja.
PTE/LS