Responsável pela «Associação Ser Mulher» fala em fenómeno transversal a toda a sociedade portuguesa
Lisboa, 31 jan 2020 (Ecclesia) – A responsável pela ‘Associação Ser Mulher’, que dá apoio e acolhimento a vítimas de violência doméstica na cidade de Évora, disse hoje que as crianças devem ser prioridade no combate a este problema.
“As vítimas também são as crianças. Até porque se nós perguntarmos, na maioria das situações, quem é que testemunhou, quem é que vivenciou tudo? Foram as crianças”, referiu Ana Beatriz Cardoso, convidada da entrevista semanal conjunta da ECCLESIA e Renascença.
A jurista destaca a necessidade de “reparação do dano” em relação às crianças tem de ser assumida como “absolutamente fundamental”.
“As crianças estão lá, e não poucas vezes também funcionam como uma arma de arremesso, ou como o escudo protetor da própria mãe. São elas que se metem entre o pai e a mãe durante as discussões. Na maioria das situações em que há homicídios, as crianças estão lá, testemunham. Quem cuida do trauma destas crianças?”, questiona.
Há crianças que têm quatro anos de idade e para elas a violência é a história da vida toda, é a forma que elas conhecem de viver”.
Para a entrevistada, o fenómeno da violência doméstica é “absolutamente transversal”, em Portugal, atingindo pessoas de todas as idades ou classes sociais.
“O que temos vindo a verificar é que há mais vítimas em que o agressor não é o seu companheiro, o seu marido, mas são filhos ou, inclusivamente, netos”, explica Ana Beatriz Cardoso.
A responsável da ‘Associação Ser Mulher’ fala numa maior sensibilização da opinião pública, face aos números de mortes e casos denunciados, mas considera que continua a ser necessário “não desculpabilizar o agressor”, inclusivamente nas decisões judiciais.
“Temos de perceber que a violência doméstica não é só aquele ato individual, mas muitas das vítimas, quando chegam às esquadras, o que relatam foi o que aconteceu na noite anterior”, adverte.
Para o combate à violência doméstica, Ana Beatriz Cardoso pede “uma mudança de cultura”, exige o conhecimento da realidade, “violência física, violência psicológica, isolamento das vítimas”.
“É necessário, mesmo nas situações que não vão para a casa abrigo, fazer uma avaliação de risco, garantir uma aplicação atempada das medidas de proteção da vítima, e até de contenção do próprio agressor”, precisa.
A entrevistada considera ainda que seria útil envolver as comunidades católicos, com “campanhas” à porta das igrejas, recordando que, em muitos casos, as vítimas apenas podem sair à rua para participar na Missa.
Ângela Roque (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)