Violência apadrinhada pela religião

Voltou ao de cima o mote da violência. Na verdade nunca nos abandonou como nunca se separou do homem ao longo da sua história. Sobreviver ao longo de milénios associou-se, sem aparente alternativa, a matar para estar vivo. Cada vez mais o homem hoje procura vigiar, pelo ecrã, a savana nos seus jogos cruéis de predador sempre amea-çada de morte. E muitas vezes ao olhar essas imagens vê uma espécie de parábola de si mesmo e pergunta se não andaremos perto da selva quando nos passeamos no mais aveludado dos tapetes ou nas estradas larguíssimas do conforto moderno onde nos apresentamos como seres superiores – quase divinos – repetindo, no quotidiano, gestos de defesa e ataque como os rastejantes, felinos ou voadores de garras feitas para o combate. Neste trilho deparamos com a razão, a fé, a alma, o afecto, a dádiva, a conciliação, a paz proposta e aceite. Por este parâmetro medimos a nossa real altura e pesamos o ouro da nossa dignidade. Mas percebemos que nada é linear. Aconteceram, não há muito, duas guerras mundiais, holocaustos, invasões, penas de morte tecnicamente executadas, pontes perfeitas entre o sublime e o aviltante que parece habitar o cidadão electrónico, infor-mático, cem vezes doutor de ciências, de conhecimentos sobre o homem, cirurgião do psíquico, químico de todas as combinações de fármacos que salvam e matam povos e civilizações. E ainda pólos de desenvolvimento e primitivismo que coabitam a distâncias mínimas dentro do mesmo planeta que geme, sufocado pelos estrangulamentos, muitos dos quais provocados pelo progresso. Em que ficamos, afinal? Na paz como um desiderato poético ou místico sem assento real na vida dos povos? Em boa verdade a paz coabita e caminha no nosso mundo. Sempre em risco e rodeada de ameaças. Mas sempre que se vence a escravidão, se consegue um acordo, se reafirma a dignidade, se recomeça um diálogo. Mesmo se se debate, em liberdade e respeito, uma multi-plicidade de crenças, ideias e opiniões. A paz é também um fruto cristão. E acontece quando se desmonta a máquina da morte e da violência, no encalço de entendimento entre culturas e religiões. Hoje mais que nunca é impensável a violência apadrinhada pela religião. António Rego

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Agência ECCLESIA

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