Mensagem de Natal do Bispo Portalegre-Castelo Branco A sociedade humana é uma sociedade de conflitos. E o maior de todos eles tem um carácter cultural. Trata-se do conflito entre a cultura da vida e a cultura da morte. A raiz desse conflito encontra-se inscrita na matriz da natureza humana. A psicologia tenta explicá-la a partir de instintos básicos: o instinto de vida e o instinto de morte. A Teologia, baseada na Revelação, explica-a a partir do pecado, introduzido no mundo logo na origem da humanidade, e da graça da Redenção, prometida na sequência do pecado e concretizada em Jesus Cristo, que nasceu de uma Mulher e se entregou voluntariamente à morte por toda a humanidade. Na verdade, a história da humanidade, desde a primeira agressão mortal praticada por Caim contra seu irmão Abel, nunca mais deixou de estar manchada de sangue. E, nos nossos dias, a agressividade e a violência estão tão generalizadas que continuam, diariamente, a aparecer em primeiro plano na comunicação social. Por vezes até dá a impressão que nada mais existe no mundo. A isto chamamos cultura de morte. Em paralelo, desenvolveu-se a cultura da vida. O nosso Deus é o Deus da vida. Muitas vezes e de muitos modos (Heb 1,1), interveio ao longo da História da Salvação, para ajudar a humanidade a descobrir o valor da vida humana e incutir em cada homem e em cada mulher um total respeito pela vida dos seus semelhantes, dom gratuito e sagrado concedido pelo próprio Deus. Merece ser acolhido, respeitado e promovido. As intervenções de Deus atingiram o auge quando, na plenitude dos tempos, nos enviou o Seu Filho, nascido de uma Mulher, para que, estando Ele revestido da natureza humana, nos ensinasse, pelo exemplo e pela palavra, a implantar na terra o reino da verdade, do amor e da paz, dando assim incremento à cultura da vida. Infelizmente, a cultura da vida continua a ser obstaculizada. Multiplicam-se as declarações de condenação contra toda a espécie de tirania, de escravidão, de fascismo e de exploração injusta dos seres humanos. Apregoa-se a democracia e a igualdade de direitos. Mas renascem novas formas de agressão à vida humana. Hoje todos condenamos quem um dia terá dito que um doente é uma boca inútil. No entanto, as ideias de eugenismo e de selecção de uns em detrimento dos outros fazem caminho. A negação prática do que é apregoado em teoria continua a ser real. Que o digam os sem-abrigo, os imigrantes, os desempregados, os doentes crónicos e incuráveis; que o digam os nascituros a quem é negado o direito de nascer, que o digam as crianças abandonadas; que o digam os que morrem de fome e tantos outros. Como disse o vencedor do Prémio Nobel da Paz, deste ano, a pobreza continua a ser uma das maiores causas da guerra. É imperioso que toda a humanidade se empenhe seriamente na erradicação da pobreza, para alcançar a paz. Jesus Cristo, o Verbo Encarnado no seio de Maria, nasceu pobre em Belém e entregou voluntariamente a sua vida pela redenção da humanidade, para que todos pudessem compreender o valor sagrado da vida. Ele próprio o afirmou: Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância (Jo 10,10). Por isso, a melhor forma de celebrar o Natal é, antes de mais acolher nos nossos corações o Autor da Vida e agradecer o dom da própria vida. Em seguida, cabe-nos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que todas as vidas humanas sejam acolhidas, respeitadas, amadas e promovidas. Só assim ajudaremos, verdadeiramente, a construir a paz e a implantar a cultura da vida. Unidos a favor da vida, desejo a todos um Santo Natal. Portalegre, 12 de Dezembro de 2006 D. José, Bispo de Portalegre-Castelo Branco