Vigília Pascal no Kuito

Memórias de um missionário português em Angola sobre a celebração mais importante do calendário litúrgico da Igreja Católica O povo angolano, apesar da tragédia da guerra que sofreu durante 40 anos e cujos efeitos ainda se sentem, festeja a Páscoa com muita festa, andando kms e kms a pé, ‘acampando’ na Missão, celebrando a reconciliação e participando activamente nas celebrações. Alegria contagiante Se houve coisas que me encheram a alma de missionário em Angola, saliento as celebrações do Natal e da Semana Santa. Fui para Angola em 1961, ainda antes das últimas reformas por que passou a Liturgia (Concílio Vaticano II). Mas, já nessa altura, estávamos iniciados na participação activa e consciente que devia haver por parte de toda a comunidade. E que alegria ao constatar que nas Eucaristias, mormente no Natal e na Páscoa, todos os cristãos participavam de uma maneira entusiasmada no canto e no conjunto da Liturgia. Por todas as Missões por onde passei, os cristãos rezam, cantam de forma alegre e contagiante. Vivi em Missões onde havia mais de 3 ou 4 mil pessoas nestas celebrações. Era uma festa de fé e de vida, a contrastar com a nossa experiência celebrativa na Europa, tão fria e, regra geral, tão pouco participada. Celebração da Páscoa Os cristãos vêm de longe, de 20, 30 ou mesmo 50 kms a pé! Em Angola, na maioria das Missões, os cristãos celebram a Páscoa com muita fé e aproveitam sempre este momento forte do ano para se confessarem e comungar. Sem confissão e comunhão, aqui não há Páscoa. O que, como se percebe, afecta muito os missionários que passam horas e horas na celebração do sacramento da Reconciliação. Nos últimos anos, com a guerra, as Missões apostaram muito no catecumenato. Tarefa muito difícil dada a distância a que muitos vivem e as dificuldades de transporte. Apesar de tudo, a Vigília Pascal torna-se uma festa ainda maior com os Baptismos dos adultos que se prepararam para esta entrada na Igreja. Lume novo, água nova A bênção do lume novo e a procissão com o Círio Pascal são vividas com muita alegria. O lume entra muito bem dentro dos costumes e tradições destas terras. Quando um novo rei é entronizado, acende-se na sua residência um fogo novo, um fogo que nunca se extinguirá enquanto o rei viver. Com a bênção do fogo novo, começa-se um novo Reino, sob o domínio de Jesus Cristo. No fim da bênção do lume novo, há sempre uma certa confusão, pois todas as pessoas querem levar uma brasa para a sua casa, sinal de bênção do Cristo Ressuscitado. A Liturgia da Palavra é muito longa, pois as pessoas querem ouvir todas as leituras a que respondem com cânticos muito bonitos, cantados por toda a assembleia. Coisa a notar: não há pressa! Por isso, as leituras e os cânticos duram muito tempo. A bênção da água do baptismo, os baptismos, a renovação das promessas baptismais… fazem a noite ser muito longa. Continua a celebração com a Missa da Ressurreição, com uma multidão de cristãos a comungar. Além dos cânticos de sabor europeu (muitos deles traduzidos e adaptados pelos missionários), já há muitos cânticos em ritmo africano, acompanhados pelos instrumentos tradicionais, não podendo faltar o batuque. Um povo em festa No fim da Missa, há uma verdadeira explosão de alegria, organizando danças, cânticos, nas quais a maior parte das pessoas participa, onde se mistura o tradicional e o religioso, permitindo uma celebração viva e alegre da Ressurreição de Cristo. Depois deste período de exultação e de explosão de alegria, as pessoas começam a retirar-se para as suas casas, indo a cantar e a dançar pelo caminho. As que moram mais longe, pernoitam na Missão e a festa dura toda a noite. No dia seguinte, o dia de Páscoa, a alegria da Ressurreição de Cristo vai continuar. P. António Moreira Loureiro Espiritano no Kuito-Bié (Angola) Em Angola desde 1961

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