Vida consagrada: a visão de um não consagrado

Desta vez sou mesmo um "leigo" na matéria. Foi o que me pediram: um olhar vindo "de fora" da vida consagrada.

Foi em casa, era eu pequeno. Duas simpáticas freiras de hábito negro, responsáveis do instituto nosso vizinho para jovens carenciadas, vieram visitar-nos.

Naquela idade tudo é mistério, mas aquelas freirinhas pareceram-me um mistério do outro mundo. Pelo que faziam, pelo sorriso, pela mansidão. Vinham do além, e a minha intuição era certa.

Depois soube que aquilo era "vida consagrada". E soube que, estando todos na Igreja chamados a viver totalmente em Deus, também há outra acepção diferente e ampla de 'consagração' que é a baptismal, que transforma em filhos de Deus, nos une a Ele, e a cada um responsabiliza pelo anúncio evangelizador.

Porém, em sentido rigoroso, a "vida consagrada", própria deste Ano, é a vida dos que "se puseram ao serviço da humanidade, à qual eram enviados pelo Espírito servindo-a dos mais diversos modos: com a intercessão, a pregação do Evangelho, a catequese, a instrução, o serviço aos pobres, aos doentes…" (citei o Papa Francisco).

O leigo, que não é chamado a uma santidade menor, tem uma missão diferente. Ao leigo é confiada a construção do mundo. Deve não só encontrar Deus no mundo – mas construir o mundo. Como Jesus até aos 30 anos. Após a morte responderá às previsíveis perguntas "foste caridoso?", "ajudaste o pobre?", "visitaste o preso?", e perguntas "laicais" como "puseste a mesa?", "votaste na junta?", "combateste o nemátodo do pinheiro", "fizeste desporto?", "descobriste novos usos para a cortiça?", "contaste anedotas aos filhos?", "respondeste aos emails?".

O mundo dos cidadãos comuns tem, porém, imenso a ver com a vida consagrada. Num encontro do "Passo a Rezar" no Carmelo de Fátima, a Madre superior explicou-nos que ela, e as outras carmelitas, não estavam atrás das grades por não gostarem do mundo – do trabalho, da família, da confusão da vida em sociedade – mas por gostarem "demasiado" do mundo, ao ponto de entregarem a vida para pedir a Deus pelos que andam no mundo.

É mesmo assim e é impressionante, qualquer que seja a expressão, mais contemplativa ou activa, da vida consagrada. Pertencemo-nos uns aos outros e estamos ligados por dentro. O leigo quer e agradece: a dedicação dos consagrados que ensinam, a clausura dos que oram, o hábito dos que têm habito, o carinho dos que confortam desvalidos, o estudo dos que pensam a imensidão de Deus.

O leigo precisa que o consagrado seja alegre na sua vocação, a viva genuína sem adaptações artificiais, fale dela e a proponha, e acredite que o seu carisma faz cada vez mais falta ao mundo de hoje.

Pedro Gil
Director do Gabinete de imprensa do Opus Dei

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Agência ECCLESIA

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