O Evangelho da celebração de hoje que acabámos de escutar começa por referir que «Jesus foi a Nazaré, onde Se tinha criado. Segundo o seu costume, entrou na sinagoga a um sábado e levantou-Se para fazer a leitura». Deste modo, começamos por reconhecer a proximidade de Jesus de Nazaré assumindo o nosso quotidiano. A terra do Seu povo é a Sua terra, a Sinagoga dos fiéis é a Sua Sinagoga, o dia de prestar culto a Deus é o Seu dia de juntamente com o Seu Povo prestar culto a Deus a quem denomina de Pai.
Eis caros sacerdotes, nós configurados a Cristo pelo Baptismo e pela Ordenação Presbiteral, somos chamados a encontrarmo-nos com Jesus de Nazaré no nosso quotidiano e reconhecer que nada da nossa vida Lhe é alheia. Mas também, no nosso ministério de Pastores, á imagem do Bom Pastor, somos convidados a entrarmos na vida simples do Povo de Deus que nos está confiado. Verdadeiramente é esta comunhão em presbitério e com o Povo de Deus que se exige na vida e no ministério dos presbíteros.
Mas o texto do Evangelho continua a realçar esta proximidade de Jesus de Nazaré com a vida dos seus contemporâneos e a inserir-se na promessa feita ao Seu Povo, ao afirmar que «Lhe Entregaram o livro do profeta Isaías».
Na verdade, «tudo Lhe foi entregue» para tudo renovar e a tudo dar pleno significado. Partir da vida simples, das preocupações e aspirações do dia a dia, recolher na vida os sinais que revelam a presença de Deus, para oferecer a verdadeira leitura da Revelação divina através da centralidade da pessoa de Jesus Cristo, eis a tarefa que nos incumbe e que somos chamados a realizar no meio do nosso Povo.
Novamente viemos aqui, à Igreja Mãe da diocese, para renovarmos as nossas promessas sacerdotais. Sim renovar é ir á fonte para viver com novidade, como seja a primeira vez, para colher a mesma alegria, entusiasmo, força, comunhão e ardor missionário do dia da nossa ordenação. Imploro do Senhor que todos e cada um obtenha esta graça.
Com o desgaste que a acção pastoral hoje sofre e com a desmotivação que sempre nos invade, temos necessidade de percorrer os caminhos que nos levam diariamente até ás fontes da alegria e da comunhão mas igualmente sentimos a obrigação de aproveitar esta singular oportunidade para, em presbitério e sempre em presbitério, tornarmos nova a nossa ordenação sacerdotal e os seus dinamismos pastorais.
Diz-nos o texto do Evangelho desta celebração que Jesus se deparou com a leitura do profeta Isaías que diz: «o Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres. Ele me enviou a proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, a restituir a liberdade aos oprimidos, a proclamar o ano da graça do Senhor».
Para uma correta compreensão do nosso ministério sacerdotal deveremos meditar e assumir tudo o que emerge desta proclamação.
Porém há duas palavras que devem ser assumidas por nós com toda a força e expressão que Jesus Cristo lhes quer dar ao afirmar «cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir». Essas palavras são «ungidos» e «enviados».
Nunca é demais meditarmos e deixarmo-nos maravilhar por esta realidade de sermos Ungidos no Baptismo e na Ordenação pela imposição das mãos que nos configurou a Jesus Cristo, o Bom Pastor e sermos por Ele enviados.
Como afirma o Papa S. João Paulo II «o Espírito do Senhor consagrou Cristo e enviou-o a anunciar o Evangelho (cf. Lc 4, 18)» (PdV, 24). Deste modo, reconhecemos que «a missão não representa um elemento exterior e justaposto à consagração, mas constitui a sua meta intrínseca e vital: a consagração é para a missão» (PdV, 24). Na verdade, «não só a consagração mas também a missão está sob o signo do Espírito, sob o seu influxo santificador» (PdV, 24).
Na realidade «assim aconteceu com Jesus. Assim foi o caso dos apóstolos e dos seus sucessores. Assim é com a Igreja inteira e, dentro dela, com os presbíteros: todos recebem o Espírito como dom e apelo de santificação, no âmbito e através do cumprimento da missão» (PdV, 24), refere ainda o saudoso Papa S. João Paulo II.
Na celebração da nossa ordenação foi-nos dito “Vive o mistério que é colocado em tuas mãos“! Convictamente sabemos que «é este o convite e também a interpelação que a Igreja dirige ao presbítero no rito da ordenação, no momento em que lhe são entregues as ofertas do povo santo para o sacrifício eucarístico» (PdV, 24).
Enfim, «o “mistério” de que o presbítero é “dispensador” (cf. 1 Cor 4, 1) é, no fundo, o próprio Jesus Cristo que, no Espírito, é fonte de santidade e apelo à santificação» (PdV, 24).
Convido, todos nós, eu convosco, a situarmo-nos na verdade e profundidade que este gesto, hoje renovado, quer oferecer à nossa vida e ministério.
Estimulados ainda pelas palavras do Papa S. João Paulo II, sentimos que «é essencial para a vida espiritual, que se desenvolve através do exercício do ministério», que nós sacerdotes renovemos continuamente e aprofundemos sempre mais a consciência de sermos ministro de Jesus Cristo em virtude da consagração sacramental e da configuração ao mesmo Cristo Cabeça e Pastor da Igreja (cfr. PdV, 25).
Na verdade, «essa consciência não só corresponde à verdadeira natureza da missão que o sacerdote exerce em favor da Igreja e da humanidade, mas decide também a vida espiritual do presbítero que leva a cabo aquela missão» (PdV, 25).
Sintamo-nos enaltecidos e dignificados com as palavras do Papa João Paulo II, quando sublinha que «efetivamente o Sacerdote não é escolhido por Cristo como uma “coisa”, mas como uma “pessoa”: ele não é um instrumento inerte e passivo, mas um “instrumento vivo”, como diz o Concílio, precisamente no ponto onde fala da obrigação de tender para esta perfeição» (PdV. 25).
Lembro uma passagem deste notável escrito, a Pastores Dabo Vobis, onde se afirma, «no exercício do ministério está profundamente comprometida a pessoa consciente, livre e responsável do sacerdote» (nº 25).
Sim, «o ligame a Jesus Cristo, que a configuração e a consagração do sacramento da Ordem asseguram, fundamenta e exige no sacerdote uma ulterior conexão que lhe é proporcionada pela “intenção”, ou seja, pela vontade consciente e livre de fazer, mediante o gesto ministerial, aquilo que é intenção da Igreja» (PdV. 25).
Realmente, «uma tal ligação tende, pela sua própria natureza, a tornar-se o mais ampla e profunda possível, implicando a mente, os sentimentos, a vida, ou seja, uma série de disposições morais e espirituais correspondentes aos gestos ministeriais do padre» (PdV. 25).
Caríssimos sacerdotes, eu convosco, no propósito de fortalecer a comunhão presbiteral, sintamos que Jesus faz ressoar ainda hoje, no nosso coração de sacerdotes, as palavras que pronunciou na sinagoga de Nazaré. A nossa fé, a esperança que nos anima e a vontade de viver a comunhão presbiteral, de facto, revelam-nos a presença operante do Espírito de Cristo no nosso ser, no nosso agir e no nosso viver tal como o configurou, habilitou e plasmou o sacramento da Ordem.
Sim, testemunhemos, que o Espírito do Senhor é o grande protagonista da nossa vida espiritual e pastoral.
Na verdade, «Ele cria o “coração novo”, anima e guia-o com a “nova lei” da caridade, da caridade pastoral» (PdV.33).
Oxalá, no desenvolvimento da vida espiritual e pastoral, no exercício da caridade pastoral, seja fundamental a consciência de que nunca falta ao sacerdote a graça do Espírito Santo, como dom totalmente gratuito e tarefa responsabilizadora (cfr. PdV. 33).
Na verdade, a consciência do dom infunde e sustém a inabalável confiança do padre nas dificuldades, nas tentações, nas fraquezas que se encontram no seu caminho espiritual e pastoral (cfr. PdV. 33).
Caríssimos sacerdotes, permitam-me neste belíssimo dia e nesta tão significativa celebração, vos exorte, cada um e todos em corresponsabilidade, a cuidar da formação permanente. A fidelidade a Cristo no ministério sacerdotal, a alegria, o estímulo, o verdadeiro discernimento pastoral e a criatividade que hoje se exigem, apelam para a formação permanente entendida como formação integral da pessoal do sacerdote.
Tomo a liberdade de citar um parágrafo da Exortação Pós-sinodal do Papa João Paulo II onde fundamenta a formação permanente. Diz ele: «a razão que justifica a necessidade da formação permanente e, ao mesmo tempo, revela a sua natureza profunda, designando-a como “fidelidade” ao ministério sacerdotal e como “processo de contínua conversão” . É o Espírito Santo, infundido pelo sacramento, que sustém o presbítero nesta fidelidade e que o acompanha e estimula neste caminho de incessante conversão. O dom do Espírito não dispensa, antes solicita a liberdade do sacerdote, para que coopere responsavelmente e assuma a formação permanente como um dever que lhe é confiado. Assim esta é expressão e exigência da fidelidade dele ao seu ministério, ou melhor, ao seu próprio ser. É, portanto, amor a Jesus Cristo e coerência consigo mesmo. Mas constitui também um ato de amor ao Povo de Deus, ao serviço do qual o sacerdote está posto. É ainda um ato de verdadeira e própria justiça: ele é devedor ao Povo de Deus, chamado como é a reconhecer e a promover aquele seu “direito” fundamental de ser destinatário da Palavra de Deus, dos Sacramentos e do serviço da Caridade, que são o conteúdo original e irrenunciável do ministério pastoral do padre. A formação permanente é necessária para que ele esteja em condições de responder condignamente a tal direito do Povo de Deus» (nº 70).
Caros Sacerdotes, certamente reconheceis a dor de um Bispo quando há presbíteros que não se julgam necessitados desta formação permanente ou que a dispensam. Por isso, permitam-me que exorte a todos os presbíteros da nossa diocese a que tudo façam para que a formação permanente, retidos e aprofundamento teológico – pastoral, seja assumida e participada responsavelmente.
O Papa Francisco define a formação permanente como «a beleza de ser discípulo hoje: uma formação única, integral, comunitária e missionária». E, no Convénio Internacional para a Formação Permanente dos Sacerdotes (Roma Fevereiro de 2024), o Papa Francisco convida «a reavivar o dom, redescobrir a unção, reacender o fogo, para que não se apague o zelo do ministério apostólico». E perante a pergunta: como podemos reavivar o dom recebido? Indica três sendas para o caminho que estais a percorrer: a alegria do Evangelho, a pertença ao povo, o serviço generativo.
Sublinho apenas, para terminar, o convite do Papa a ser protagonistas de uma pastoral generativa. Diz ele: «não uma pastoral em que aparecemos nós no centro, mas uma pastoral que gera filhas e filhos para a vida nova em Cristo, que leva a água viva do Evangelho ao terreno do coração humano e do tempo presente».
Jesus Cristo fez de nós um reino de sacerdotes para Deus Seu Pai. A Ele a honra e a glória.
Que ao renovarmos as nossas promessas sacerdotais imploremos do Bom Pastor que nos torne verdadeiramente testemunhas, na alegria e na esperança, da beleza do sacerdócio de modo a que seja abertura de caminho vocacional para os jovens da nossa diocese.
Imploro de Nossa Senhora, Santa Maria Maior, Mãe dos sacerdotes, de S. Bartolomeu dos Mártires, de S. Teotónio e S. Paulo VI, que nos abençoem a cada um e a todo o presbitério e que sejam para todos nós estímulo na evangelização do mundo de hoje.
Amen
D. João Lavrador, Bispo de Viana do Castelo