Octávio Carmo, Agência ECCLESIA
“Quem chorou pela morte destes irmãos e irmãs? Quem chorou por estas pessoas que vinham no barco? Pelas mães jovens que traziam os seus filhos? Por estes homens cujo desejo era conseguir qualquer coisa para sustentar as próprias famílias? Somos uma sociedade que esqueceu a experiência de chorar, de «padecer com»: a globalização da indiferença tirou-nos a capacidade de chorar!”
(Homilia do Papa Francisco em Lampedusa)
A liderança moral do Papa continua a inspirar milhões de pessoas em todo o mundo, num momento particularmente sensível face à persistência de conflitos armados e aos vários dramas humanos que parecem encobrir qualquer perspetiva luminosa de futuro.
Embora se possa lamentar que muitas vezes o pontificado seja avaliado por gestos “exóticos”, como uma ida à ótica, com menor destaque para outras mensagens bem mais importantes – como as sucessivas denúncias de perseguições religiosas ou de tráficos ilegais e imorais de armas e seres humanos -, as palavras de Francisco têm chegado aos ouvidos de muitos. Espera-se que as suas lições e os seus apelos comecem a dar fruto, com consequências concretas por parte de todos os que neles se reveem.
Insisto, por isso, na ideia de que não há defesa da identidade cristã com violência contra quem bate à porta da Europa. Os motivos de receio serão muitos e o próprio Papa o admitia na sua entrevista à Renascença, mas esta é uma situação em que a humanidade – e os europeus em particular – devem ver e chorar, em vez de virar a cara. Aliás, essa indiferença face a conflitos que se arrastam no tempo, envergonha-nos. Temos de ver, olhar o outro na cara e tirar daí as consequências éticas e sociais do encontro com o semelhante, em situação de vulnerabilidade.
Isto é particularmente válido para os católicos. Na entrevista que concedeu à Rádio Renascença, o Papa voltou a insistir na sua predileção por uma Igreja “acidentada”, a percorrer os caminhos do mundo à imagem de Jesus Cristo em vez de ficar fechada a ganhar mofo. A aproximação a quem sofre (e são cada vez mais) é uma missão de sempre, traduzindo a mensagem de fé em sinais visíveis, concretos, que deem sentido a um mundo que procura rumos e se sente ameaçado por cada vez mais perigos.
Octávio Carmo