Papa diz que desenvolvimento tecnológico tem impacto sobre dignidade do trabalho e conceito de «verdade»

Cidade do Vaticano, 18 set 2025 (Ecclesia) – O Papa alertou, na primeira grande entrevista do pontificado, para os desafios levantados pelo desenvolvimento da inteligência artificial, sublinhando a centralidade da dignidade humana na Igreja e na sociedade.
“Vai ser muito difícil descobrir a presença de Deus na IA. Nas relações humanas, podemos encontrar pelo menos sinais da presença de Deus”, disse ao ‘Crux’, portal de informação religiosa dos EUA.
“A nossa vida humana tem sentido não pela inteligência artificial, mas pelos seres humanos e pelo encontro, por estarmos uns com os outros, por criarmos relações e por descobrirmos nessas relações humanas também a presença de Deus”, acrescenta.
A entrevista à jornalista norte-americana Elise Ann Allen faz parte de uma biografia publicada hoje pela editora ‘Penguin’ no Peru, país onde Leão XIV foi missionário, enquanto religioso agostiniano, e depois bispo, por nomeação de Francisco.
Segundo o Papa, um dos perigos é que “o mundo digital siga o seu próprio caminho”, transformando as pessoas em “peões”, assinalando que o desenvolvimento que está a acontecer “a um ritmo incrível também é preocupante”.
Leão XIV pede atenção para a “crise que se aproxima devido à tecnologia, à inteligência artificial, à força de trabalho, à disponibilidade de empregos suficientes para as pessoas”.
“Se automatizarmos o mundo inteiro e apenas algumas pessoas tiverem meios não só para sobreviver, mas para viver bem, para ter uma vida significativa, há um grande problema, é um enorme problema que se aproxima”, alerta.
Se perdermos de vista o valor da humanidade e pensarmos que o mundo digital é o mais importante, e depois pensarmos nas pessoas extremamente ricas que estão a investir em inteligência artificial, ignorando totalmente o valor dos seres humanos e da humanidade, acho que a Igreja tem de levantar a voz nessa questão.”
Leão XIV diz ter sido convidado a autorizar a criação de uma versão digital de si próprio, “para que qualquer pessoa pudesse entrar num site e ter uma audiência pessoal” com o Papa.
“Esse Papa criado por inteligência artificial daria respostas às suas perguntas. Eu disse: ‘Não vou autorizar isso’. Se há alguém que não deveria ser representado por um avatar, na minha opinião, é o Papa”, justificou.
Lembrando que a escolha do nome para o pontificado, após a eleição de 8 de maio, se liga à figura de Leão XIII, autor da encíclica ‘Rerum Novarum’, em 1891, considerada um marco da Doutrina Social da Igreja, o atual pontífice sublinha que “a dignidade humana tem uma relação muito importante com o trabalho”.
O facto de podermos, através dos dons que nos foram dados, produzir, oferecer algo ao mundo e ganhar a vida, faz parte até mesmo do respeito por nós mesmos, do respeito pela nossa própria família. Alguns desses valores estão em risco neste momento, por isso a Igreja precisa de levantar essa questão.”
Leão XIV afirma que a Igreja “não é contra os avanços da tecnologia, de forma alguma”, mas entende que se tudo continuar como até agora, “o coração humano perder-se-ia no meio do desenvolvimento tecnológico”.
“Quando falo de respeito mútuo, da importância da família e dos valores da igualdade, e de viver e trabalhar juntos em paz, esses são valores que surgem de uma compreensão real do maravilhoso dom que Deus nos deu como seres humanos”, observa.
O Papa assume preocupações com as “as falsificações de IA”, pedindo que as pessoas continuem a acreditar que “existe a verdade, a verdade autêntica”.
“As possibilidades que temos, graças à nossa criatividade, podem ser usadas para todo o tipo de coisas. Insisto que não sou de forma alguma contra a inteligência artificial. No mundo da medicina, grandes coisas aconteceram graças à IA, e também em outros campos”, indica.
Leão XIV diz ter pedido aos influenciadores católicos que trabalhem para “lidar com a verdade, a honestidade, o real, e não apenas a espalhar mais notícias falsas”.
“As pessoas querem acreditar em conspirações, as pessoas querem procurar todas essas coisas falsas, e isso é muito destrutivo”, adverte.
A entrevista – gravada em Castel Gandolfo e na residência do Papa no Palácio do Santo Ofício, do Vaticano – integra o livro biográfico ‘Leão XIV: cidadão do mundo, missionário do século XXI’.
OC
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