Bento XVI vai escrever uma carta aos católicos do país, cujo número não pára de aumentar O Vaticano manifestou hoje o desejo de trabalhar para uma “normalização das relações” com a China, a vários níveis. Este é o principal resultado de uma reunião de alto nível, que juntou entre ontem e hoje responsáveis da Secretaria de Estado e da Congregação para a Evangelização dos Povos, bem como prelados de Hong Kong, Taiwan e Macau. O encontro sobre a situação da Igreja Católica na China foi presidido pelo Cardeal Tarcisio Bertone, Secretário de Estado do Vaticano. Em cima da mesa estiveram “os problemas eclesiais mais graves e urgentes, que esperam uma adequada solução em relação aos princípios fundamentais da constituições divina da Igreja e da liberdade religiosa”. Os participantes fizeram eco da vontade de “prosseguir um caminho de diálogo respeitoso e construtivo com as autoridades governamentais, para ultrapassar as incompreensões do passado”. Os objectivos imediatos da Santa Sé passam por permitir aos católicos na China “uma vida frutuosa e pacífica”, procurando “trabalhar em conjunto para o bem do povo chinês e da paz no mundo”. Para o restabelecimento de relações diplomáticas, a China exige que o Vaticano deixe de reconhecer Taiwan como país independente (obtendo aparentemente o consentimento do Vaticano, neste ponto) e que o Vaticano aceite também a nomeação dos bispos chineses por parte da Associação Patriótica Católica (APC), controlada pelo Estado. Nesta questão, contudo, a posição da Santa Sé tem-se mantido inalterável. Embora o Partido Comunista Chinês se declare oficialmente ateu, a Constituição chinesa permite a existência de cinco Igrejas oficiais (Associações Patrióticas), entre elas a Católica, que tem 5,2 milhões de fiéis. Segundo fontes do Vaticano, a Igreja Católica “clandestina”, ligada ao Papa e fora do controlo de Pequim, conta mais de 8 milhões de fiéis. A APC foi criada em 1957, para evitar “interferências estrangeiras”, em especial do Vaticano, e para assegurar que os católicos viviam em conformidade com as políticas do Estado. A partir da década de 80 do século passado, a APC passou a procurar a aprovação do Vaticano para os seus Bispos, em segredo. Hoje, estima-se que cerca de 90% dos Bispos da APC sejam reconhecidos pelo Vaticano, fruto de um acordo de cavalheiros, que dava ao Papa a última palavra sobre qualquer candidato à ordenação episcopal e que foi quebrado de forma clara. A nota desta manhã constatava “com alegria” que hoje a maioria dos Bispos da China está em comunhão com o Papa. Em 2006, contudo, vários Bispos foram ordenados sem aprovação pontifícia, o que provocou reacções muito duras da Santa Sé e de Bento XVI. Antes dos acontecimentos de 2006, as últimas ordenações sem o aval do Papa tinham acontecido em 2000, com 5 novos Bispos da APC, e levaram a um congelamento das negociações entre a China e a Santa Sé para o restabelecimento de relações diplomáticas. O comunicado de hoje da Santa Sé adianta que Bento XVI irá escrever uma carta aos católicos do país, cujo número não pára de crescer. Para os responsáveis do Vaticano este facto é mesmo considerado “surpreendente”, convidando estes católicos “a olharem o futuro com esperança”. Que solução? A nota oficial desta manhã alude à história conturbada da Igreja na China, sublinhando o “luminoso testemunho oferecido pelos Bispos, sacerdotes e fiéis que, sem cederem a compromissos, mantiveram a fidelidade à Sé de Pedro, muitas vezes à custa de graves sofrimentos”. A questão de fundo reside, precisamente, no heroísmo dos fiéis da Igreja que, na China, permanecem fiéis ao Papa e a Roma. Vários contactos informais têm sido desenvolvidos desde que Bento XVI sucedeu a João Paulo II, fazendo do estabelecimento de relações diplomáticas com a China uma das suas prioridades, algo que a APC vê como um perigo para a organização. A chave de solução poderá estar no processo de nomeação de Bispos para a China, mas nunca desautorizando a Santa Sé. Qualquer cedência perante os homens do regime chinês poderia ser mal interpretada por todos aqueles que, ao longo de décadas, sofreram perseguição, foram presos ou enviados para “campos de reeducação”, celebrando às escondidas, com receio das autoridades. Um caso semelhante aconteceu no pontificado de João Paulo II, com a comunidade greco-católica da Ucrânia, que sobreviveu na quase completa clandestinidade à repressão comunista na URSS. Apesar de saber que, ao acolher estes católicos, estaria a criar hostilidade duradoura junto da Igreja Ortodoxa da Rússia, nunca o Papa polaco sacrificou os chamados “uniatas” à negociação com Moscovo – abrindo um capítulo que ainda hoje é, provavelmente, o principal pomo de discórdia entre as duas Igrejas.