Vaticano publica dossier sobre a Inquisição

João Paulo II pede perdão e convida ao arrependimento O Vaticano publicou hoje um volume com mais de 800 páginas relativas ao período da Inquisição, fruto do trabalho de um Simpósio Internacional convocado em 1998. No ano 2000, por ocasião da Jornada do Perdão e Purificação da Memória a questão da Inquisição foi classificada como uma forma de contra-testemunho e de escândalo, um método de intolerância e de violência no serviço da verdade que deforma o rosto da Igreja. O Papa retoma essas palavras numa carta, revelada também hoje, escrita para a apresentação desta obra. O Cardeal emérito Roger Etchegarray, presidente do Comité centreal do Jubileu de 2000, apresentou o volume aos jornalistas, explicando que “a lição que nos vem da História nunca está terminada” e considerando este livro “uma homenagem à verdade histórica face à qual a Igreja não teme submeter o seu passado”. “A Inquisição foi um capítulo doloroso sobre o qual os cristãos devem debruçar-se com um espírito aberto ao arrependimento”, referiu. O Cardeal explicou ainda que o Papa foi um dos grandes impulsionadores desta reflexão e que a Igreja “não deve ter medo da verdade”. João Paulo II pede perdão Na missiva que acompanhava o dossier, João Paulo II manifestou o arrependimento da Igreja Católica pelos pecados da intolerância que cometeu no decorrer da sua história e, em particular, pelos abusos cometidos pela Inquisição. O Papa convida os especialistas à pesquisa histórica e a prosseguir o seu percurso histórico. Para João Paulo II, “na opinião pública, a imagem da Inquisição representa quase o símbolo do contra-testemunho e do escândalo”, pelo que interessa perceber até que ponto isso corresponde à verdade. Assim, o líder da Igreja Católica exprime o seu apreço pelo volume hoje apresentado, vincando a necessidade de que a pesquisa histórica dê o seu contributo para a “busca da verdade”. “Antes de pedir perdão, é necessário ter a consciência exacta dos factos e colocar as faltas contra as exigências evangélicas onde elas se encontram efectivamente”, explica. A missiva conclui com as palavras pronunciadas durante a cerimónia de “mea culpa” do 12 de Março de 2000: “Senhor, Deus de todos os homens, em determinadas épocas da história os cristãos cederam a métodos de intolerância e não seguiram o grande mandamento do amor, deturpando assim o rosto da Igreja, tua esposa. Tem misericórdia dos teus filhos pecadores e acolhe o nosso propósito de procurar a promoção a verdade na doçura da caridade, sabendo que a verdade não se impõe a não ser em virtude da própria verdade”. Números e mitos O dossier do Vaticano reconhece que “os procedimentos previsto foram aplicados com um rigor excessivo que, em certos casos, degenerou num verdadeiro abuso”. Apesar disso, o responsável pelo volume sobre a Inquisição, Agostino Borromeo, explica que o recurso à tortura e à pena de morte “não foi tão frequente como se acreditou durante muito tempo”. Para Borromeo, é importante manter a atitude dos historiadores contemporâneos, “que já não utilizam este tema para defender ou atacar a Igreja”. Neste sentido, considerou que a abertura dos arquivos secretos da antiga Congregação do Santo Ofício, em 1998, permitiu “prescindir de lugares comuns e preconceitos”. O historiador explicou que na Espanha, por exemplo, 3,5% dos processos levados a cabo entre 1540 e 1700 resultaram em penas de morte. Os números mais altos são os da Inquisição portuguesa, com quase 6% de condenações à morte. Em Portugal existiu uma Inquisição de Estado. Tinha tanto o objectivo de defesa da fé como a defesa da unidade política e da estabilidade interior. O Inquisidor-mor era um súbdito do rei e os confiscos impostos aos condenados eram em proveito da coroa. O Papa Clemente VII opôs-se à instalação da Inquisição em Portugal com o argumento de que os cristãos novos portugueses eram convertidos à força e também por suspeitar que o objectivo dessa instalação era mais político e económico do que religioso. Apesar disto, eleito em 1535, o Papa Paulo III autoriza em Maio do mesmo ano a instalação da Inquisição e a Bula é publicada em Évora, onde residia a Corte, num Domingo, 22 de Outubro de 1536. Particularmente activa nos séculos XIII e XIV a Inquisição destinava-se a combater os movimentos heréticos medievais e, mais tarde, nos séculos XVI e XVII, viria a assumir maior poder, sobretudo, na Península Ibérica, com a fundação de novos tribunais. Foi também nessa época que foi constituída a Sagrada Congregação do Santo Ofício, inicialmente concebida como instrumento de luta contra a difusão do protestantismo.

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