Novo documento sublinha visão católica sobre a família, o matrimónio e a sexualidade, mas rejeita qualquer forma de discriminação ou criminalização
Cidade do Vaticano, 08 abr 2024 (Ecclesia) – O prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé lamentou hoje que alguns católicos defendam “leis iníquas” contra homossexuais, que incluem a possibilidade de pena de morte.
“É doloroso que alguns católicos defendam estas leis iníquas”, referiu o cardeal Víctor Manuel Fernández, em conferência de imprensa para a apresentação da nova declaração doutrinal ‘Dignidade infinita’.
Segundo o colaborador de Francisco, a defesa da visão católica sobre a família, o matrimónio e a sexualidade não pode justificar qualquer discriminação ou criminalização das pessoas homossexuais.
A 5 de fevereiro de 2023, o Papa tinha reforçado a sua oposição à criminalização da homossexualidade, falando no regresso de uma viagem de seis dias a África.
“A criminalização da homossexualidade é um problema que não podemos deixar passar”, referiu aos jornalistas que o acompanharam no voo entre Juba e Roma, após uma visita à República Democrática do Congo e ao Sudão do Sul.
Francisco retomava, então, o que tinha dito em entrevista à Associated Press (AP), sublinhando que há, pelo menos, 50 países que criminalizam a homossexualidade, de alguma forma; em 10, a lei chega a prever a pena de morte.
A nova declaração, fruto de cinco anos de trabalho, passa em revista o magistério papal das últimas décadas sobre temas que vão da guerra à pobreza, da violência contra os migrantes à violência contra as mulheres, do aborto à maternidade de substituição e à eutanásia, abordando ainda a ideologia do género e a violência digital.
Segundo o prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, está em causa “um pilar fundamental do ensinamento cristão”, a dignidade humana.
O documento, disse aos jornalistas, procura sintetizar a “novidade oferecida pelo atual Papa” sobre uma “questão estruturante”.
“Há uma dignidade ontológica, que existe em qualquer circunstância e nunca se perde”, precisou o cardeal Fernández.
O responsável foi questionado sobre o ponto 60 do documento, no qual se afirma que “qualquer intervenção de mudança de sexo se arrisca, normalmente, a ameaçar a dignidade única que a pessoa recebeu”.
“Hoje há a tendência de querer criar a realidade”, indicou, questionado uma visão do ser humano como “omnipotente”.
O cardeal argentino sublinhou que, “quando se trata de crianças, a questão tem uma seriedade muito maior”, considerando que é necessário acolher a realidade, “em primeiro lugar, tal como ela é”.
Quanto a consequências pastorais deste posicionamento, o prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé sustentou que “o princípio do acolhimento de todos é claro no pensamento do Papa Francisco”.
Relativamente ao novo documento, o responsável da Santa Sé entendeu que a novidade está em assumir como princípio central para desenvolver os temas abordados no documento “a dignidade de cada ser humano, para lá de qualquer circunstância”.
Nos últimos meses, o Dicastério para a Doutrina da Fé emitiu vários documentos em resposta a perguntas de bispos ou cardeais sobre diversas questões: a possibilidade de as pessoas transgénero receberem o Batismo, a proibição de os católicos aderirem à maçonaria, a colocação das cinzas dos mortos ou o incentivo às mães solteiras para acederem aos Sacramentos.
No dia 18 de dezembro de 2023, o mesmo organismo publicou o documento doutrinal Fiducia Supplicans, que abre a possibilidade de abençoar casais em situação “irregular”.
O cardeal Fernández referiu hoje que se está perante uma “inovação magisterial” sobre a forma como se entendem as “bênçãos”, para “desenvolver a sua riqueza pastoral”, destacando o bom acolhimento deste documento nas pessoas com menos de 35 anos, de acordo com uma sondagem apresentada ao Vaticano.
Na sua intervenção inicial, o prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé assinalou a evolução do magistério pontifício sobre o tema da dignidade humana, recordando que há pontos concretos em que, ao longo da história, Papas dizem “coisas contrárias” em questões como a escravatura.
“Agora parece que o Papa não pode dizer nada de diferente do que foi dito antes”, como se o magistério tivesse sido “fechado” com os pontificados anteriores, apontou.
O cardeal falou da “recusa total” da pena de morte, por exemplo, como um “ponto culminante” da reflexão da Igreja sobre a dignidade “inviolável” de cada ser humano.
“O mundo tem necessidade de descobrir as implicações da dignidade imensa de todas as pessoas”, concluiu.
OC