Leão XIV afasta possibilidade de ordenação diaconal de mulheres, assumindo como prioridade evitar a «polarização» na Igreja

Cidade do Vaticano, 18 set 2025 (Ecclesia) – O Papa descartou eventuais mudanças na doutrina da Igreja sobre pessoas LGBTQ e o casamento, na primeira grande entrevista do seu pontificado, assumindo como prioridade evitar a “polarização” na Igreja.
“Como vimos no Sínodo [2021-2024], qualquer tema relacionado com as questões LGBTQ é altamente polarizador dentro da Igreja. Por enquanto, devido ao que já tentei demonstrar e viver em termos da minha compreensão de ser Papa, neste momento da história, estou a tentar não continuar a promover a polarização na Igreja”, disse em declarações ao ‘Crux’, portal de informação religiosa dos EUA.
“Parece-me muito improvável, certamente num futuro próximo, que a doutrina da Igreja mude em termos do que ensina sobre sexualidade e casamento”, acrescenta.
A entrevista à jornalista norte-americana Elise Ann Allen faz parte de uma biografia publicada hoje pela editora ‘Penguin’ no Peru, país onde Robert Francis Prevost foi missionário, enquanto religioso agostiniano, e depois bispo, por nomeação de Francisco.
“Todos são bem-vindos e vamos conhecer-nos e respeitar-nos. As pessoas querem que a doutrina da Igreja mude, querem que as atitudes mudem. Acho que temos de mudar as atitudes, antes mesmo de pensar em mudar o que a Igreja diz sobre qualquer questão específica”, indica o Papa.
Eleito a 8 de maio como sucessor de Francisco, Leão XIV assume que o “tema LGBTQ” tem sido uma das questões que lhe foram colocadas.
“Não tenho um plano, neste momento”, refere.
“Para algumas pessoas, a identidade de uma pessoa implica apenas a identidade sexual e, para muitas pessoas, noutras partes do mundo, esse não é um tema principal, relativamente à forma como devemos tratar-nos uns aos outros”, acrescentar.
O que estou a tentar dizer é o que Francisco disse muito claramente quando afirmou: ‘Todos, todos, todos’. Todos estão convidados a entrar, mas não convido uma pessoa por ser ou não ser de uma identidade específica. Convido uma pessoa porque é um filho ou uma filha de Deus.”
Leão XIV reforça a sua defesa da família construída por “um homem e uma mulher num compromisso solene, abençoados no sacramento do matrimónio”.
“Mesmo dizendo isso, compreendo que algumas pessoas vão ficar ofendidas. No norte da Europa, já estão a publicar rituais para abençoar ‘as pessoas que se amam’ é assim que eles se expressam, o que vai especificamente contra o documento que o Papa Francisco aprovou, ‘Fiducia Supplicans’, que basicamente diz: claro que podemos abençoar todas as pessoas, mas não procurar uma forma de ritualizar algum tipo de bênção, porque isso não é o que a Igreja ensina”, sustenta.
O Papa convida a “aceitar as pessoas que tomam decisões na sua vida e respeitá-las”, assumindo que o tema é “muito controverso”.
“Algumas pessoas farão exigências para dizer ‘queremos o reconhecimento do casamento gay’, por exemplo, ou ‘queremos o reconhecimento das pessoas que são trans’, para dizer ‘isto é oficialmente reconhecido e aprovado pela Igreja’. Os indivíduos serão aceites e recebidos”, apontou.
Qualquer padre já ouviu confissões de todos os tipos de pessoas, com todos os tipos de problemas, todos os tipos de estados de vida e escolhas que foram feitas. O ensinamento da Igreja continuará como está, e isso é o que tenho a dizer sobre o assunto por agora. Acho que é muito importante.”
Questionado sobre o “papel da mulher na Igreja”, o Papa diz que é preciso de tomar decisões de “forma sinodal”.
O documento final da XVI Assembleia Geral do Sínodo (2021-2024) dedicou um número específico ao ministério das mulheres, sustentando que “não há nenhuma razão para que as mulheres não assumam papéis de liderança na Igreja”.
“Espero seguir os passos de Francisco, incluindo a nomeação de mulheres para alguns cargos de liderança, em diferentes níveis, na vida da Igreja, reconhecendo os seus dons e a sua contribuição de muitas maneiras”, afirmou Leão XIV.
Quanto ao acesso das mulheres ao ministério diaconal, o Papa recorda que a questão vem sendo estudada há “muitos anos”, perspetivando que “continuará a ser um problema”.
“Eu, por enquanto, não tenho intenção de mudar o ensinamento da Igreja sobre o assunto. Acho que há algumas perguntas prévias que devem ser feitas”, sustenta.
Uma primeira comissão para o estudo do diaconado feminino, anunciada a 12 de maio de 2016, veio a revelar-se inconclusiva, tendo Francisco descartado mudanças no futuro imediato.
Em 2020, o Papa decidiu instituir uma nova comissão de estudo sobre o diaconado feminino na Igreja Católica, na sequência do Sínodo especial para a Amazónia. O diaconado é o primeiro grau do Sacramento da Ordem (diaconado, sacerdócio, episcopado), atualmente reservado aos homens, na Igreja Católica. O Concílio Vaticano II (1962-1965) restaurou o diaconado permanente, a que podem aceder homens casados (depois de terem completado 35 anos de idade), o que não acontece com o sacerdócio. Com origem grega, a palavra ‘diácono’ pode traduzir-se por servidor, e corresponde a alguém especialmente destinado na Igreja Católica às atividades caritativas, a anunciar a Bíblia e a exercer funções litúrgicas. “Por que falaríamos em ordenar mulheres ao diaconato se este, em si mesmo, ainda não é bem compreendido e não foi adequadamente desenvolvido e promovido dentro da Igreja?”, questiona Leão XIV, na entrevista divulgada esta quinta-feira. |
O Papa faz eco de preocupações manifestadas sobre “o “clericalismo nas estruturas atuais da Igreja” e o impacto desse problema: “Gostaríamos simplesmente de convidar as mulheres a clericalizar-se? O que é que isso realmente resolveu?”.
“Estou disposto a continuar a ouvir as pessoas. Existem esses grupos de estudo, como o Dicastério para a Doutrina da Fé, que continuam a examinar o contexto teológico, a história, de algumas dessas questões, e vamos acompanhar isso, ver o que resulta”, assume.
Leão XIV pede ainda mais apoio para a “família tradicional”, reforçando o seu papel na sociedade.
“Pergunto-me em voz alta se a questão da polarização e da forma como as pessoas se tratam umas às outras não vem também de situações em que as pessoas não cresceram no contexto de uma família onde aprenderam a amar-se umas às outras, a viver umas com as outras, a tolerar-se umas às outras e a formar laços de comunhão. Isso é a família”, declara.
A entrevista – gravada em Castel Gandolfo e na residência do Papa no Palácio do Santo Ofício, do Vaticano – integra o livro biográfico ‘Leão XIV: cidadão do mundo, missionário do século XXI’.
OC