Francisco convidou a ouvir as crianças, que falam «com os olhares e os silêncios», e alertou que «é prejudicial para os mais pequenos» o «individualismo exagerado» dos países desenvolvidos
Cidade do Vaticano, 03 fev 2025 (Ecclesia) – O Papa Francisco afirmou hoje que “matar os mais pequenos significa negar o futuro”, no discurso de abertura da Cimeira Internacional sobre os Direitos da Criança, intitulada ‘Amemos e protejamos as crianças’, promovida pelo Vaticano.
“O que infelizmente temos assistido quase todos os dias nos últimos tempos é inaceitável: crianças a morrer debaixo das bombas, sacrificadas aos ídolos do poder, da ideologia e dos interesses nacionalistas. Na realidade, nada vale a vida de uma criança. Matar os mais pequenos significa negar o futuro”, disse o Papa, esta segunda-feira, dia 3 de fevereiro, no discurso publicado na sala de imprensa da Santa Sé e enviado à Agência ECCLESIA.
Francisco alertou para os casos em que os menores “são obrigados a lutar sob o efeito de drogas”, mesmo em países onde não há guerra, porque “a violência dos gangues torna-se igualmente mortífera”, deixa-as, muitas vezes, órfãs e marginalizadas.
“Até o individualismo exagerado dos países desenvolvidos é prejudicial para os mais pequenos. Por vezes são maltratados ou até mesmo reprimidos por aqueles que deveriam protegê-los e alimentá-los; são vítimas de discussões, sofrimento social ou mental e dos vícios dos pais”, acrescentou.
O Papa recordou também as muitas crianças que “morrem como migrantes no mar, no deserto ou nas muitas rotas de viagens desesperadas de esperança”, o fenómeno dos menores não acompanhados é cada vez mais frequente e “existem milhões de crianças migrantes”, e os que morrem devido à “falta de cuidado ou a vários tipos de exploração”: “Como é possível que a vida de uma criança termine assim?”.
“A infância negada é um grito silencioso que denuncia a iniquidade do sistema económico, a criminalidade das guerras, a falta de assistência médica e de educação escolar. A soma destas injustiças pesa especialmente sobre os mais pequenos e os mais fracos. Dentro das organizações internacionais, isto é chamado de ‘crise moral global’.”
O Vaticano está a promover uma cimeira internacional sobre os Direitos da Criança, intitulada ‘Amemos e protejamos as crianças’, com responsáveis políticos, da sociedade e organizações, desporto e várias religiões, organizada pelo Pontifício Comité para o Dia Mundial da Criança, esta segunda-feira, no Palácio Apostólico.
“Hoje estamos aqui para dizer que não queremos que isto se torne o novo normal. Não podemos aceitar habituar-nos a isso. Algumas dinâmicas mediáticas tendem a tornar a humanidade insensível, provocando um endurecimento geral das mentalidades”, acrescentou Francisco, alertando que se corre o risco de “perder o que de mais nobre existe no coração humano: a piedade, a misericórdia”.
O Papa divulgou também alguns números, como os “mais de quarenta milhões de crianças” deslocadas por conflitos e “aproximadamente cem milhões sem casa”, a “tragédia da escravatura infantil” aproximadamente “cento e sessenta milhões de crianças são vítimas de trabalho forçado, tráfico, abuso e exploração de todos os tipos”, incluindo casamentos forçados, e os muitos menores que não foram registados à nascença e “vivem no limbo”.
Aproximadamente “cento e cinquenta milhões de crianças ‘invisíveis’” não têm existência legal, o que é um obstáculo ao acesso à educação ou à saúde, como os Rohingya (Myanmar), ou na fronteira com os Estados Unidos.
“Olhar através dos olhos daqueles que viveram a guerra é a melhor forma de compreender o valor inestimável da vida. Mas ouvir as crianças que hoje vivem na violência, na exploração ou na injustiça serve também para reforçar o nosso ‘não’ à guerra, à cultura do desperdício e do lucro, em que tudo se compra e vende sem respeito nem cuidado pelo próximo, pequeno e indefeso”.
O Papa afirmou que o aborto tira a vida às crianças, e “corta a fonte de esperança a toda a sociedade”, e partilhou que cresceu a ouvir histórias da Primeira Guerra Mundial, “contadas pelo avô”, abriu os olhos e o coração para “o horror da guerra”.
CB/PR
A cimeira internacional ‘Amemos e protejamos as crianças’ conta com a participação de diversas personalidades de várias proveniências, áreas e setores da sociedade, como Rania, a rainha da Jordânia; Ahmed El-Tayeb, grande imã de al-Azhar; Mario Draghi, o antigo presidente do Banco Central Europeu; Thomas Bach, Presidente do Comité Olímpico Internacional; ou Al Gore, Nobel da Paz e antigo vice-presidente dos Estados Unidos da América; o fundador da organização ‘Mary’s Meals’, Magnus MacFarlane.
Segundo o Papa, estarem a partilhar as suas experiências e competências poderá “abrir novos caminhos para resgatar e proteger crianças cujos direitos são espezinhados e ignorados todos os dias”; os trabalhos desta cimeira internacional sobre Direitos da Criança começaram pelas 08h45 (menos uma Lisboa) e prolongam-se por toda a segunda-feira, com vários painéis, encerram-se pelas 16h45. Antes de entrar na Sala Clementina, o Papa encontrou-se com dez crianças de várias partes do mundo que entregaram desenhos e uma mensagem em nome de todos os menores da terra, e receberam rebuçados. |