Cidade do Vaticano, 18 set 2024 (Ecclesia) – O Vaticano vai promover esta quinta-feira uma conferência de imprensa sobre a “experiência espiritual” vivida pelos peregrinos no santuário de Medjugorje, na Bósnia-Herzegovina.
O encontro conta com intervenções do prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, cardeal Víctor Manuel Fernández; o secretário da Secção Doutrinal do mesmo Dicastério, mons. Armando Matteo; e o diretor editorial do Dicastério para a Comunicação, Andrea Tornielli.
Medjugorje é um ponto de peregrinação para muitos católicos, desde a divulgação dos relatos de aparições da Virgem Maria a seis crianças, em 1981.
Quatro anos depois, o cardeal Joseph Ratzinger, na altura prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, proibiu peregrinações oficiais de dioceses ou paróquias ao local, embora os católicos possam ali deslocar-se por sua iniciativa, inclusive na companhia de padres, se assim o desejarem.
Em 2010, já como Papa, Bento XVI criou uma Comissão Internacional de Inquérito sobre Medjugorje na Congregação para a Doutrina da Fé, liderada pelo cardeal Camillo Ruini.
Já em 2019, o Papa Francisco decidiu autorizar peregrinações a Medjugorje, na Bósnia-Herzegovina, permitindo que as mesmas sejam organizadas pelas dioceses e paróquias, e não apenas de forma privada.
No último mês de maio, o Vaticano publicou um conjunto de normas para avaliar alegadas aparições e “fenómenos sobrenaturais”, que visam agilizar decisões e antecipar a intervenção da Santa Sé, substituindo as orientações que vigoravam desde 1978.
“A expectativa de uma declaração sobre a sobrenaturalidade de um evento teve como consequência que somente pouquíssimos casos chegaram a uma clara determinação. De facto, depois de 1950, foram resolvidos oficialmente não mais que seis casos, ainda que os fenómenos tenham aumentado de número, frequentemente sem uma orientação clara e com o envolvimento de pessoas de muitas dioceses”, indica o prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, que assina o documento.
O cardeal Víctor Fernández precisa, no prefácio do documento, que “situações complicadas, que produzem confusão entre os fiéis, devam ser sempre evitadas”, assumindo um envolvimento mais “veloz e explícito” do Dicastério e evitando que o discernimento tenha como objetivo a declaração de “sobrenaturalidade”, com “fortes expectativas, ansiedades e até mesmo pressões a respeito”.
Nesse sentido, o anterior reconhecimento de “sobrenaturalidade” é substituído por um ‘nihil obstat’, que autoriza um trabalho pastoral positivo, ou por “outra determinação adaptada à situação concreta”.
As novas normas preveem “seis possíveis decisões”, para se chegar “num tempo razoável a uma resolução que ajude o bispo a conduzir a situação relativa a eventos de alegada origem sobrenatural, antes que eles tomem dimensões muito problemáticas, sem um necessário discernimento eclesial”.
O documento estabelece, contudo, que o Papa possa intervir diretamente, num caso “totalmente excecional”, com uma declaração de sobrenaturalidade dos eventos.
O novo documento promove uma visão mais positiva sobre os factos em estudo, sublinhando que mesmo perante reservas quanto à sua avaliação, devem ser “reconhecidos com clareza os sinais de uma ação sobrenatural do Espírito Santo no contexto do acontecimento”.
OC
O discernimento dos alegados fenómenos sobrenaturais poderá chegar a conclusões que se exprimirão normalmente num dos termos indicados a seguir.
Nihil obstat — Mesmo se não se exprime nenhuma certeza sobre a autenticidade sobrenatural do fenómeno, reconhecem-se muitos sinais de uma ação do Espírito Santo “no meio” de uma dada experiência espiritual, não tendo sido relevados, pelo menos até aquele momento, aspetos particularmente críticos ou arriscados. Por esta razão, encoraja-se o bispo diocesano a apreciar o valor pastoral e a promover a difusão dessa proposta espiritual, inclusive através de eventuais peregrinações a um lugar sacro. Prae oculis habeatur — Ainda que se reconheçam importantes sinais positivos, percebem-se igualmente alguns elementos de confusão ou possíveis riscos que requerem, por parte do bispo diocesano, um atento discernimento e diálogo com os destinatários de uma dada experiência espiritual. Se existirem escritos ou mensagens, poderia ser necessário um esclarecimento doutrinal. Curatur — Relevam-se diversos ou significativos elementos críticos, mas ao mesmo tempo já existe uma ampla difusão do fenómeno e uma presença de frutos espirituais a ele coligados e verificáveis. Desaconselha-se uma proibição a seu respeito, que poderia perturbar o Povo de Deus. Em qualquer caso, o bispo diocesano é solicitado a não encorajar esse fenómeno, a procurar expressões alternativas de devoção e, eventualmente, a reorientar seu perfil espiritual e pastoral. Sub mandato — Os elementos críticos relevados não são ligados ao fenómeno em si, o qual é rico de elementos positivos, mas a uma pessoa, a uma família ou a um grupo de pessoas que fazem dele um uso impróprio. Utiliza-se uma experiência espiritual para uma particular e indevida vantagem económica cometendo atos imorais ou desenvolvendo uma atividade pastoral paralela àquela já presente no território eclesiástico, sem aceitar as indicações do bispo diocesano. Neste caso, a condução pastoral do lugar específico em que se verifica o fenómeno é confiada ou ao bispo diocesano ou a uma outra pessoa delegada pela Santa Sé, a qual, quando não seja capaz de intervir diretamente, buscará alcançar um acordo razoável. Prohibetur et obstruatur — Mesmo em presença de legítimos interesses e de alguns elementos positivos, os elementos críticos e os riscos são graves. Por isso, para evitar novas confusões ou até mesmo escândalos que poderiam causar dano à fé das pessoas simples, o Dicastério pede ao bispo diocesano que declare publicamente que a adesão a esse fenómeno não é permitida e que ofereça, ao mesmo tempo, uma catequese para ajudar a compreender as razões da decisão e a reorientar as legítimas preocupações espirituais daquela parte do Povo de Deus. Declaratio de non supernaturalitate — Neste caso o bispo diocesano é autorizado pelo Dicastério a declarar que o fenómeno é reconhecido como não sobrenatural. Esta decisão deve ser baseada sobre factos e evidências concretos e provados. Por exemplo, quando um presumido vidente declara ter mentido, ou quando testemunhas credíveis fornecem elementos de juízo que permitem descobrir a falsificação do fenómeno, a intenção errada ou a mitomania. |