Vaticano: Decano do Colégio Cardinalício homenageia Papa que estava «no meio do povo» e abriu a Igreja a todos

Cardeal Giovanni Battista Re proferiu homilia no funeral, evocando legado do pontificado de Francisco

Foto: Lusa/EPA

Octávio Carmo, enviado da Agência ECCLESIA ao Vaticano

Cidade do Vaticano, 25 abr 2025 (Ecclesia) – O presidente da Missa exequial do Papa Francisco (1936-2025) elogiou hoje a sua capacidade de estar “no meio do povo” e de abrir a Igreja a todos.

“Foi um Papa no meio do povo, com um coração aberto a todos. Foi também um Papa atento àquilo que de novo estava a surgir na sociedade e àquilo que o Espírito Santo estava a suscitar na Igreja”, referiu o cardeal decano, D. Giovanni Battista Re, na homilia da celebração, que decorreu na Praça de São Pedro.

Francisco faleceu esta segunda-feira, aos 88 anos de idade e após mais de 12 anos de pontificado, na sequência de um AVC, quando se encontrava em convalescença na Casa de Santa Marta, no Vaticano.

A “Missa exequial pelo Romano Pontífice Francisco” é concelebrada pelos cardeais e patriarcas das Igrejas Orientais Católicas.

O corpo do Papa foi colocado diante do altar, após ser transportado desde o interior da Basílica de São Pedro, antes da Missa, enquanto os sinos dobravam; D. Diego Ravelli, mestre das celebrações litúrgicas, depositou o livro dos Evangelhos, aberto, sobre o caixão.

O momento foi sublinhado com uma salva de palmas pela multidão que preenche a Praça de São Pedro.

O decano do Colégio Cardinalício disse que os participantes se apresentavam, no Vaticano, “com o coração triste, mas sustentados pelas certezas da fé”.

“A manifestação popular de afeto e adesão, a que assistimos nos últimos dias, após a sua passagem desta terra para a eternidade, mostram-nos quanto o intenso pontificado do Papa Francisco tocou mentes e corações”, realçou.

Apesar da sua fragilidade nesta reta final e do seu sofrimento, o Papa Francisco escolheu percorrer este caminho de entrega até ao último dia da sua vida terrena. Seguiu as pegadas do seu Senhor, o bom Pastor, que amou as suas ovelhas até dar a própria vida por elas. E fê-lo com força e serenidade, junto do seu rebanho, a Igreja de Deus”.

O cardeal Re destacou os “inúmeros” gestos e pedidos do Papa em favor dos refugiados, deslocados e dos mais pobres.

“É significativo que a primeira viagem do Papa Francisco tenha sido a Lampedusa, ilha-símbolo do drama da emigração, com milhares de pessoas afogadas no mar”, acrescentou, sob as palmas da multidão.

Diante de Donald Trump, presidente dos EUA, D. Giovanni Battista Re recordou a “Missa junto da fronteira mexicana com os Estados Unidos”, por ocasião da viagem pontifícia ao México, em 2016.

A homilia recordou também as 47 viagens internacionais [duas delas a Portugal], de modo especial, a que fez ao Iraque em 2021, “desafiando todos os riscos”, ao encontro de uma população que “tanto tinha sofrido com a ação desumana do Estado Islâmico”.

“Foi uma viagem importante também para o diálogo inter-religioso, outra dimensão relevante do seu trabalho pastoral”, prosseguiu, evoca a viagem final, em setembro de 2024, com passagem por Timor-Leste, quando Francisco chegou “à periferia mais periférica do mundo”.

A homilia destacou o percurso de Jorge Mario Bergoglio, como jesuíta e arcebispo de Buenos Aires, e o momento em que foi eleito como sucessor de Bento XVI, a 13 de março de 2013, assumindo o inédito nome de Francisco.

“A decisão de adotar o nome Francisco manifestou-se logo como a escolha do programa e do estilo em que queria basear o seu pontificado, procurando inspirar-se no espírito de São Francisco de Assis”, realçou o decano do Colégio Cardinalício.

O cardeal Battista Re evocou o “carisma de acolhimento e de escuta” do falecido Papa, que “tocou os corações, procurando despertar energias morais e espirituais”.

“Perante o eclodir de tantas guerras nos últimos anos, com horrores desumanos e inúmeras mortes e destruições, o Papa Francisco levantou incessantemente a sua voz implorando a paz e convidando à sensatez, a uma negociação honesta para encontrar soluções possíveis, porque a guerra – dizia ele – é apenas morte de pessoas e destruição de casas, hospitais e escolas”, acrescentou.

Quanto à vida interna da Igreja, o presidente da celebração destacou que o pontífice argentino “conservou o seu temperamento e a sua forma de orientação pastoral, imprimindo de imediato a marca da sua forte personalidade”.

A intervenção recordou “o contacto direto com cada pessoa e com as populações” de um Papa “desejoso de ser próximo a todos, com uma atenção especial às pessoas em dificuldade, gastando-se sem medida, em particular pelos últimos da terra, os marginalizados”.

“Tinha uma grande espontaneidade e uma maneira informal de se dirigir a todos, mesmo às pessoas afastadas da Igreja”, acrescentou o cardeal decano.

Com o vocabulário que lhe era caraterístico e com a sua linguagem rica de imagens e metáforas, procurou sempre iluminar os problemas do nosso tempo com a sabedoria do Evangelho, oferecendo uma resposta à luz da fé e encorajando-nos a viver como cristãos os desafios e as contradições destes anos cheios de mudanças, que ele gostava de descrever como uma “mudança de época”.

O cardeal italiano lembrou que Francisco foi alguém “dotado de grande calor humano e profundamente sensível aos dramas de hoje”, que “com uma mensagem capaz de chegar ao coração das pessoas de forma direta e imediata, se dedicou a confortar e a encorajar.

A reflexão de D. Giovanni Battista Re realçou a preocupação do Papa com a evangelização e a “convicção de que a Igreja é uma casa para todos; uma casa com as portas sempre abertas.

“O Papa Francisco sempre deu centralidade ao Evangelho da misericórdia, sublinhando repetidamente que Deus não se cansa de nos perdoar: Ele perdoa sempre, seja qual for a situação de quem pede perdão e regressa ao bom caminho”, insistiu.

Em contraste com o que ele designou por ‘cultura do descarte’ falou da cultura do encontro e da solidariedade. O tema da fraternidade atravessou todo o seu pontificado com tons vibrantes”.

A assinatura do documento sobre “a Fraternidade Humana em prol da Paz Mundial e da Convivência Comum”, em 2019, durante a viagem aos Emirados Árabes Unidos, ou a encíclica ‘Laudato si’, de 2015, sobre a ecologia integral, também foram recordados como um legado do pontificado que procurou “construir pontes e não muros”.

 

Na Praça de São Pedro estão delegações oficiais de 160 países e instituições internacionais, incluindo a de Portugal, bem como representantes de várias Igrejas cristãs e outras religiões, que tiveram oportunidade de passar diante do caixão, para uma última homenagem.

“Dirijo uma saudação e um vivo agradecimento aos chefes de Estado, aos chefes de Governo e às delegações oficiais que vieram de muitos países para manifestar afeto, veneração e estima pelo Papa que nos deixou”, disse D. Giovanni Battista Re, interrompido várias vezes pela multidão com salvas de palmas, nas referências a viagens e gestos de Francisco.

Querido Papa Francisco, agora pedimos-vos que rezeis por nós e que, do céu, abençoeis a Igreja, abençoeis Roma, abençoeis o mundo inteiro, como fizestes no domingo passado, do balcão central desta Basílica, num último abraço a todo o povo de Deus, mas também, idealmente, à humanidade que procura a verdade de coração sincero e segura bem alto a chama da esperança”.

Segundo dados das autoridades locais, citadas pelo Vaticano, “cerca de 250 mil pessoas assistiram ao funeral”.

Entre os participantes estão muitos jovens e adolescentes, que celebram até domingo o Jubileu dos Adolescentes, no Ano Santo convocado pelo Papa.

Após a Comunhão, decorreu o rito da ‘Ultima Commendatio’ (última encomendação) e da ‘Valedictio’ (adeus), seguindo-se as orações da Diocese de Roma, pelo vigário-geral, cardeal Baldo Reina, e das Igrejas Orientais.

Os patriarcas, arcebispos maiores e metropolitas das Igrejas ‘sui iuris’ (com direito próprio, mas ligadas a Roma) orientais católicas deslocam-se até junto do caixão, voltados para o altar, num momento de oração pelo “servo de Deus Francisco, bispo”, em grego, do Ofício dos Defuntos da liturgia bizantina, simbolizando a universalidade da Igreja Católica.

Depois destas orações próprias pelo Papa, o presidente da celebração incensa o féretro e asperge-o com água benta, antes da antífona final, a que se segue o regresso do caixão ao interior da Basílica de São Pedro.

O caixão vai transportado, depois da Missa, pelas ruas de Roma, em carro aberto, para a Basílica de Santa Maria Maior, onde o pontífice escolheu ser sepultado.

OC

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