Vaticano: D. José Tolentino Mendonça apresenta apelo do Papa aos artistas para uma «revolução» da beleza

Missa do Jubileu dos Artistas e do Mundo da Cultura foi presidida pelo cardeal português, perante participantes dos cinco continentes

Cidade do Vaticano, 16 fev 2025 (Ecclesia) – O cardeal português D. José Tolentino Mendonça apresentou hoje, no Vaticano, o apelo do Papa a todos os artistas, para que se unam à Igreja numa “revolução” da beleza, em favor dos mais frágeis.

“Queridos artistas, vejo em vós guardiães da beleza que sabe inclinar-se sobre as feridas do mundo, que sabe escutar o grito dos pobres, dos sofredores, dos feridos, dos presos, dos perseguidos, dos refugiados. Vejo em vós guardiães das bem-aventuranças”, refere a homilia que Francisco tinha preparado para esta celebração.

O texto foi lido por D. José Tolentino Mendonça, prefeito do Dicastério para a Cultura e Educação, na Basílica de São Pedro, que recebeu os participantes no Jubileu dos Artistas e do Mundo da Cultura.

“Vivemos num tempo em que se erguem novos muros, em que as diferenças se tornam um pretexto para a divisão em vez de serem uma oportunidade de enriquecimento recíproco. Mas vós, homens e mulheres de cultura, sois chamados a construir pontes, a criar espaços de encontro e diálogo, a iluminar as mentes e a aquecer os corações”, indicou.

O Papa, que se encontra internado desde sexta-feira, no Hospital Gemelli, devido a uma infeção respiratória, refere na sua reflexão que Jesus promove uma “revolução da perspetiva”, com o seu ensinamento, que “proclama felizes os pobres, os aflitos, os mansos, os perseguidos”.

“A arte é chamada a participar nesta revolução. O mundo precisa de artistas proféticos, de intelectuais corajosos, de criadores de cultura”, assinala a homilia.

“Deixai-vos guiar pelo Evangelho das Bem-Aventuranças e que a vossa arte seja anúncio de um mundo novo. Que a vossa poesia no-lo mostre! Nunca deixeis de procurar, interrogar, arriscar”, acrescenta a reflexão, lida em italiano por D. José Tolentino Mendonça.

O Jubileu dos Artistas e do Mundo da Cultura decorre entre 15 e 18 de fevereiro, reunindo mais de dez mil participantes de mais de 100 nações dos cinco continentes, incluindo Portugal e vários países lusófonos.

O Ano Santo, 27.º jubileu ordinário da história da Igreja, foi proclamado pelo Papa Francisco na bula intitulada ‘Spes non confundit’ (A esperança não engana) e teve início no dia 24 de dezembro de 2024, com a abertura da Porta Santa na Basílica de São Pedro.

“A esperança não é uma ilusão; a beleza não é uma utopia; o vosso dom não é um mero acaso, é um chamamento. Respondei com generosidade, com paixão, com amor”, indica o Papa, na homilia apresentada hoje.

Segundo o texto, as bem-aventuranças, proclamadas por Jesus, “contradizem a lógica do mundo e convidam a olhar a realidade com olhos novos, com o olhar de Deus, que vê para além das aparências e reconhece a beleza, até mesmo na fragilidade e no sofrimento”.

“Vós, artistas e pessoas de cultura, sois chamados a ser testemunhas da visão revolucionária das bem-aventuranças. A vossa missão não se limita a criar beleza, mas a revelar a verdade, a bondade e a beleza escondidas nos recantos da história, a dar voz a quem não tem voz, a transformar a dor em esperança”, apela o Papa.

A reflexão assinala que o mundo vive uma época de “crises complexas, que são económicas e sociais mas, antes de mais, são crises da alma, crises de sentido”.

Coloquemo-nos a questão do tempo e a questão do rumo. Somos peregrinos ou errantes? Caminhamos com uma meta ou andamos à deriva, perdidos? O artista é aquele ou aquela que tem a função de ajudar a humanidade a não se desnortear, a não perder o horizonte da esperança”.

A homilia alerta para a ilusão de uma “esperança fácil, superficial e desencarnada”.

“A verdadeira esperança entrelaça-se com o drama da existência humana. Não é um refúgio confortável, mas um fogo que arde e ilumina, como a Palavra de Deus. Por isso, a arte autêntica é sempre um encontro com o mistério, com a beleza que nos supera, com a dor que nos interpela, com a verdade que nos chama”, observa o Papa.

A reflexão cita o poeta inglês e padre jesuíta Gerard Manley Hopkins (1844-1889), o qual escreveu: ‘O mundo está pleno da grandeza de Deus/seu fulgor inflama, qual lâmina fulgurante’.

“Eis a missão do artista: descobrir e revelar essa grandeza escondida, torná-la acessível aos nossos olhos e aos nossos corações”, defende Francisco.

“Alguns poderão dizer: ‘Mas para que serve a arte num mundo ferido? Não há coisas mais urgentes, mais concretas e mais necessárias?’. A arte não é um luxo, mas uma necessidade do espírito. Não é uma fuga, mas uma responsabilidade, um convite à ação, um apelo, um grito”, acrescenta o texto.

Educar para a beleza significa educar para a esperança. E a esperança nunca está separada do drama da existência: ela atravessa a luta quotidiana, as fadigas da vida, os desafios deste nosso tempo”.

O cardeal Tolentino Mendonça dirigiu uma saudação inicial aos participantes na Missa.

“O nosso primeiro pensamento vai para o Papa Francisco: rezemos pela sua saúde, agradeçamos a visão e o apoio que nos oferece sempre”, referiu.

O responsável da Cúria Romana cumprimentou os artistas, protagonistas e “profetas” da cultura, que considerou “construtores da paz”.

“Também pedimos ao Senhor pelas vossas vocações, pelo caminho que percorreis, pelas vossas perguntas, pelas vossas inquietações, pelo serviço que prestais à Igreja e ao mundo”, acrescentou.

O programa do Jubileu dos Artistas e do Mundo da Cultura começou este sábado, dia em que foi aberto um espaço de exposições, uma galeria de rua (Window Gallery), na Via della Conciliazione, junto ao Vaticano, intitulada ‘Conciliazione 5’.

A exposição inaugural é um projeto de Yan Pei-Ming, comissariado por Cristiana Parrella, e coloca a comunidade prisional ‘Regina Coeli’ no “centro emocional e visual da atenção de todos”.

Hoje, ao final da tarde, os participantes vão atravessar a Porta Santa e percorrer um itinerário espiritual e cultural, na Basílica de São Pedro.

Já na segunda-feira, o Dicastério para a Cultura e a Educação promove um encontro de representantes dos centros culturais católicos e dos organismos eclesiais dedicados à cultura.

Na terça-feira, será inaugurada nos espaços do Dicastério uma grande exposição sobre ‘trajetórias transnacionais da Poesia Visual’, comissariada por Raffaella Perna.

Apresentando a programação aos jornalistas, em conferência de imprensa, D. José Tolentino Mendonça assumiu como objetivo destas iniciativas jubilares “provocar um diálogo sobre a esperança, colocá-la no centro do espaço público como um tema cultural prioritário”.

OC

O Jubileu, com raízes no ano sabático dos judeus, consiste num “perdão geral, uma indulgência aberta a todos, e na possibilidade de renovar a relação com Deus e o próximo”.

Esta indulgência implica obras penitenciais, incluindo peregrinações e visitas a igrejas.

O Papa Bonifácio VIII instituiu, em 1300, o primeiro Ano Santo – com recorrência centenária, passando depois, segundo o modelo bíblico, cinquentenária e finalmente fixado de 25 em 25 anos.

O último Jubileu tinha sido o Ano Santo extraordinário dedicado à Misericórdia (29 de novembro de 2015 a 20 de novembro de 2016), convocado com a Bula ‘Misericordiae Vultus’ do Papa Francisco.

Jubileu 2025: «Esperança é um bem de primeira necessidade» – D. José Tolentino Mendonça

 

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