Carlos Borges, Agência Ecclesia

O título foi até ao último momento ‘O presépio somos nós’. Se lhe diz algo, é verdade. É de um poema de D. José Tolentino Mendonça, que pode ler no final. Este artigo, o último deste ano 2025 da esperança, faz uma espécie de recorte de jornal para destacar duas ou três cenas da natividade de Jesus, que encontrei em meios de comunicação social e redes sociais, que têm a mensagem da defesa da vida, para além da sua mensagem original.
Estas cenas transportam para o nascimento de Jesus alguns apontamentos da realidade e são espelho deste ‘o presépio somos nós’, e do olhar atento de humanidade de algumas paróquias cristãs e de comunidades à sua realidade. Não ficaram indiferentes ao outro, à guerra, aos migrantes, aos desalojados, aos presos, aos pobres, à vida humana, os Direitos Humanos.
“Fazendo-se homem, Jesus assume a nossa fragilidade, identifica-se com cada um de nós: com aqueles que não têm mais nada e perderam tudo, com quem está a braços com a fome e a pobreza, com aqueles que fogem da própria terra em busca de um futuro noutro lugar, com aqueles que perderam o trabalho e com os que o procuram, com aqueles que são explorados, com aqueles que estão na prisão e, muitas vezes, vivem em condições desumanas. #Natal” – Papa Leão XIV, 25 dez 2025
A primeira destas cenas da natividade de Jesus que vi este ano foi uma notícia do presépio da Paróquia de Santa Susanna, da Arquidiocese católica de Boston. A cabana vazia das personagens principais, apenas o anjo, os magos do Oriente, umas ovelhas e pastores, mas as palhinhas, a vaca, não aquecem ninguém.
‘A Sagrada Família está salva no santuário da nossa igreja’, informa a paróquia católica. Em grande, no lugar de Jesus, Maria e de José a denúncia: ‘ICE was here’ – “O ICE esteve aqui”, o famoso Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA. E ainda divulgam o contacto de um grupo de defesa dos imigrantes que “supervisionar” a atividade da agência federal norte-americana em Massachusetts.
Na Lake Street Church of Evanston (Illinois/EUA), Jesus, com tom de pele mais escuro, teve os pulsos amarados com braçadeiras e uma rede de metal separou-o dos pais, que usavam máscaras de gás. A cena, relacionadas com “práticas contemporâneas de detenção de imigração”, segundo a Igreja Batista, teve figuras de agentes do ICE (Immigration and Customs Enforcement). O menino, do outro lado da vedação, esteve numa caixa de frutas, envolto numa manta de emergência. Maria chegou a estar presa, “foi espancada e arrastada na frente do filho”.
Este presépio, no dia 24, “a Sagrada Família está reunida e restaurada”, sem amarras, nem separações, e os agentes ICE “tornaram-se pastores”, porque “paz, esperança, alegria e amor sempre vencerão”, lê-se na publicação online desta comunidade filiada nas Igrejas Batistas Americanas nos EUA.
Por exemplo, a Igreja Metodista Unida de Oak Lawn apresentou um presépio que retrata “a viagem das famílias migrantes”. Maria, José e Jesus num centro de detenção: “Esta instalação reimagina o nascimento de Jesus na realidade enfrentada por milhares de famílias que fogem da violência, da pobreza e da instabilidade política; em Dallas, muitas famílias enfrentam a mesma incerteza.”
Por cá, neste ano de 2025, vi fotografias do Presépio no Terreiro Dom João V, em frente ao Palácio Nacional de Mafra, onde o menino surgiu tapado com o ‘keffiyeh’, o lenço axadrezado do Médio Oriente associado à causa palestiniana, numa data mais próxima do Natal. A Embaixada do Estado da Palestina em Portugal partilhou duas dessas fotos, na manhã desta segunda-feira, na sua página na rede social Facebook, onde desejou “Boas Festas” e afirmou: “Foi muito bom ver esta cena do Natal em Mafra”.
Termino a recordar que, em janeiro de 2024, demos notícia de dois presépios que evocavam a guerra na Terra Santa: Na igreja de Nossa da Ajuda, a matriz da Paróquia de Peniche (Patriarcado de Lisboa), Jesus estava sozinho, no meio de escombros, enquanto na Sé da Guarda o nascimento do Menino também foi em contexto de guerra.
E quem é que ainda se lembra da polémica, em 2024, com o presépio exposto pelo Vaticano no Auditório Paulo VI, a figura que representava Jesus esteve também envolvido num ‘keffiyeh’.
Presépios com mensagem, para além da mensagem original de Deus, da Sagrada Família: Sim ou não?!
Agora, sim, o poema de D. José Tolentino Mendonça, e ainda uma sugestão musical, o ‘Presépio de lata’, de Rui Veloso. Esperança e paz, duas palavras que desejo sejam realidade para todos em 2026.
| «O presépio somos nós» – Poema de D. José Tolentino Mendonça
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