Ups!! Raptaram-me o Menino …

Luisa Gonçalves, Diocese do Funchal

Foi há 800 anos que São Francisco de Assis criou o primeiro presépio. Há bem menos tempo nascia em mim um gosto especial por estas representações do nascimento do Menino e pelo próprio Menino.

Tenho presépios feitos de materiais mais “nobres” e outros feitos de calhaus das praias aqui da Madeira. Meninos, tenho-os sentados, deitados, de pé.

Não me perguntem quantos. Não faço a mínima ideia. Estou para os arrumar devidamente e contar. Uma tarefa que todos os anos vai sendo adiada, porque me oferecem presépios e Meninos “por atacado”. Curiosamente, só tenho um ou outro repetido.

Penso que este gosto começou ainda na infância, quando o meu pai arrumava a loja – local onde guardávamos toda a tralha e mais alguma – de modo a que lhe fosse mais fácil colocar as socas de canavieira, que serviam de suporte a tudo o que vinha a seguir.

Depois das socas era colocado o papel pardo, pintado com viochene. Maleável, o papel permitia imitar uma serra, com todas as suas características. No centro era criada uma furna onde a Sagrada Família teria lugar de destaque.

A seguir era colocada a gambiarra que iria dar toda a luz necessária à obra prima e o musgo apanhado na serra. Depois, com muito cuidado, ‘nasciam’ as figuras das lavadeiras, dos pastores, dos músicos da banda, dos padeiros, dos homens e mulheres da aldeia, dos pescadores e outras mais.

E só depois é que entravam as figuras que faziam todas as outras ficar em harmonia: Maria, José, os Reis Magos, a estrela, a vaca, o burro e algumas ovelhas que o pai achava bem andarem também por ali.

Como o papel era escuro e havia que lhe dar cor, usavam-se uns pós que se sopravam aqui e ali. Além disso, também se colocava o que aqui se chamam cabrinhas, as searas de trigo, lentilha e milho e na base vasos com sapatinhos.

As muitas ribeiras e quedas de água da ilha eram representadas com algodão, mas lembro-me de um ano que o pai resolveu que seria bonito colocar por ali um lago. Tinha patinhos de plástico, que faziam companhia a pequenos peixes de verdade.

No teste de luz faziam-se as alterações eventualmente necessárias. Um pastor podia mudar de sítio, uma vendedora de ovos passar para outro lado, uma igreja na montanha.

Quando me mudei para a minha casa continuei a fazer o presépio – hoje só faço a lapinha, como aqui se chama ao presépio em escadinha – mas já sem socas e mais pequena. Fui fazendo até os meus filhos terem uma certa idade.

À vinda da Missa do Galo, eram eles que se encarregavam de colocar o menino na manjedoura. Mas houve um ano que o menino desapareceu. Colocava-o sempre no móvel da sala e Ele não estava lá.

O rebuliço instalou-se. Depois de muito procurar e de nada encontrar, dos miúdos terem garantido mil vezes que não lhe tinham tocado, lá fui buscar outro.

Nesse ano, com muita pena minha, nossa Senhora ia ter um Menino que não era o Dela, um Menino que não fazia parte daquele conjunto.

Já ia a tarde do Dia de Natal bem avançada, quando recebo um telefonema. Um dos amigos que lá tinha estado na véspera, diz que tem o meu Menino e pede-me um resgate para o ter de volta.

À primeira, confesso que achei piada à brincadeira. Mas, desse dia em diante, passei a guardar o Menino noutro canto não fosse o peste do amigo querer repetir a proeza de me raptar o Menino.

O facto é que, uns dias e uma poncha depois, como pagamento, a pequenina imagem voltou para casa, ainda a tempo de fazer nova troca. Tenho para mim, que Nossa Senhora não deve ter achado muita graça.

Agora, quando tenho visitas para ver os presépios, já toda a gente sabe que vai ser “revistada” à saída. Instalei um detetor de Meninos para o caso de haver mais um engraçadinho que se lembre de me levar a vaca ou o jumento, peças centrais do presépio de Greccio, de Francisco de Assis e minhas também.

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