«Universalidade e Inclusão: dois princípios indispensáveis em Educação»

Homilia de D. Tomaz Silva Nunes no início da Semana Nacional da Educação Cristã 1. As passagens bíblicas do Livro dos Números e do Evangelho de S. Marcos que a liturgia de hoje nos propõe revelam, apesar da distância histórica que as separa, um claro paralelismo. Na primeira leitura, Moisés, deprimido com a insatisfação e as reclamações do povo que o responsabilizava pelas agruras da travessia do deserto e o confrontava, com saudosismo, com as seguranças que apesar de tudo a situação de escravidão do Egipto garantia, escolheu, por mandato de Deus, setenta anciãos para o ajudarem. Eram homens prudentes, virtuosos e de reconhecida autoridade. Deus prometeu estender o espírito que estava sobre Moisés, dom que lhe concedera, aos anciãos reunidos na tenda da reunião. Dois deles, porém, não compareceram à chamada, mas o espírito chegou também a eles e, sob a sua acção, foram encontrados a profetizar. Josué, companheiro de Moisés, pediu-lhe que não permitisse tal facto, mas este surpreendeu-o confidenciando o gosto de que, não só àqueles dois homens mas a todos, Deus concedesse que actuassem segundo o mesmo espírito: “Quem dera que todo o povo do Senhor profetizasse, que o Senhor enviasse o seu espírito sobre ele!” (Num 11, 29). Na passagem do Evangelho que escutámos, João dirigiu-se a Jesus, em nome dos discípulos, para lhe comunicar a sua recusa em aceitar que alguém que não pertencia ao seu grupo expulsasse demónios em nome de Jesus. Essa libertação era realmente algo surpreendente tanto mais que pouco antes, como refere o mesmo evangelista, os discípulos não tinham conseguido exorcizar um jovem (cf. Mc 9, 18). Jesus contrariou tal atitude de resistência de João: “Não o impeçais (…) Quem não é contra nós é por nós” (Mc 9, 39-40). 2. Em ambas as passagens bíblicas Deus não restringe o seu amor e a comunicação dos seus dons àqueles que o reconhecem ou respondem com prontidão à sua chamada. O amor de Deus não tem fronteiras nem limites, inclui os que não pertencem objectivamente à comunidade crente. O exclusivismo é, pois, contrário à magnanimidade de Deus e à universalidade do seu amor. O Concílio Vaticano II sublinhou-o ao afirmar que o Senhor “nem sequer está longe daqueles que buscam, na sombra e em imagens, o Deus que desconhecem; já que é Ele que a todos dá vida, respiração e tudo o mais (cf. Ac 17, 25-28) e, como Salvador, quer que todos os homens se salvem (cf. 1Tim 2, 4)” (LG 16), através de Cristo, único Salvador e Mediador entre Deus e os homens (cf. 1Tim 2, 5; LG 8). Tudo o que é humano – o bem que se pratica, a justiça e a dignidade por que se luta, a vida que se respeita e protege – vem de Deus e para Ele se orienta porque só n’Ele ganha nova densidade e atinge plenitude. 3. Estas duas perspectivas que a Palavra de Deus nos aponta, a necessidade de olhar globalmente a realidade e de reconhecer e apoiar as realizações humanas que se orientam para o bem, têm a maior actualidade e aplicação no campo da educação. De facto, a universalidade e a inclusão são dois princípios indispensáveis em educação, os quais devem ser entendidos em função tanto dos educandos como das instâncias educativas. Consideremo-los nesta meditação no início da Semana Nacional da Educação Cristã e tiremos algumas ilações. 4. A educação é um processo que tem em vista o desenvolvimento integral e harmonioso da pessoa humana. Conta, primeiro que tudo, com o protagonismo do próprio educando, mas é também indispensável o contributo de diversas pessoas e organismos, com destaque especial para a família, como instituição educativa primordial e insubstituível (cf. Nota da Comissão Episcopal da Educação Cristã, A Família, um bem necessário e insubstituível, 4). A prioridade dada à família no seio da universalidade dos agentes educativos justifica-se pela sua própria natureza: ela é o “núcleo básico e estruturante da sociedade” (Ibid.) e os pais são os primeiros educadores, responsabilidade irrenunciável e inalienável que lhes advém de serem geradores de novas vidas. 5. “Entre os meios educativos subsidiários da família, sobressai, pela sua importância, a escola” (Ibid., 5). A inclusão da família como “parceiro educativo” da escola e a consequente cooperação entre ambas, no respeito pela especificidade e autonomia de cada uma, é uma condição indispensável para o êxito escolar e educativo das crianças e dos jovens, e um princípio e uma expressão de cidadania. Há que ultrapassar preconceitos, resistências e medos, e valorizar as boas práticas como estímulo e alicerce de esperança. 6. No processo educativo, é indispensável considerar a dimensão espiritual-religiosa constitutiva da pessoa. Sem ela não há educação integral. Neste domínio, a Igreja presta um serviço às famílias, aos alunos e às instituições escolares, através da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica. A sua integração no currículo dos ensinos básico e secundário é outra das concretizações dos princípios da universalidade e da inclusão, porque a Educação Moral e Religiosa Católica assegura a consideração da pessoa do aluno no seu todo e integra o contributo educativo da Igreja no espaço público, correspondendo à solicitação dos pais ou dos próprios alunos. A crescente resistência por parte de certas instâncias educativas da rede estatal à aceitação da Educação Moral e Religiosa Católica no currículo escolar, traduzida quer num clima de progressivo afrouxamento da responsabilidade das escolas na oferta da leccionação da disciplina quer num súbito aumento da carga horária dos alunos que impede a leccionação desta disciplina em condições pedagógicas dignas e aceitáveis, revela um assinalável défice cultural da sociedade actual e desrespeita o direito à liberdade religiosa. A esta resistência, devemos responder não apenas com a justa reclamação pela satisfação de direitos, mas também com a mobilização e empenho dos pais e o preenchimento dos espaços que nos são dados com um ensino que se imponha pela qualidade. 7. Aos pais cristãos, lembramos que a eles, “em primeiro lugar, incumbe a educação dos filhos na fé” (Ibid., 6), tarefa que devem desempenhar contando com a indispensável ajuda da Igreja: “A edificação de cada família cristã individualmente, coloca-se no contexto da família mais ampla da Igreja, que a ampara e leva consigo, e garante que existe o sentido e que haverá também no seu futuro o «sim» do Criador” (Bento XVI, Discurso na abertura do Congresso Eclesial Diocesano de Roma, 2005). Também aqui há que ter uma visão universal e inclusiva, pelo estabelecimento da harmonia entre a acção e o testemunho da família, o empenho generoso e qualificado dos catequistas e a progressiva integração e vivência das crianças e dos jovens na comunidade cristã, contando com o papel insubstituível dos sacerdotes, designadamente os párocos, como congregadores e formadores. 8. Na segunda leitura, S. Tiago chamava a nossa atenção para o modo como devemos utilizar os bens que Deus põe ao nosso dispor. Os bens materiais são bons em si mesmos, mas os benefícios ou malefícios que deles tiramos dependem do modo como os usamos. A justiça, a partilha e o serviço do bem comum são os critérios apontados por S. Tiago para a recta utilização dos bens. Apliquemo-los na vivência das famílias e das comunidades cristãs. Tenhamo-los na devida conta no uso e na gestão das instituições educativas, públicas, particulares ou cooperativas, trabalhando com exigência, dando especial atenção às situações de risco e de pobreza, partilhando experiências e recursos, ultrapassando preconceitos ideológicos e religiosos e promovendo o pluralismo, pela valorização e apoio à qualidade das instituições independentemente das entidades a que pertencem. 9. Nesta Semana Nacional da Educação Cristã dedicada particularmente a valorizar a família como “bem necessário e insubstituível” para os povos e as sociedades, para os próprios esposos e os seus filhos, quero saudar especialmente as famílias presentes nesta assembleia e todas as que neste momento nos seguem nas dioceses de Portugal, retomando dois sentimentos referidos na Nota Pastoral que, a este propósito, a Comissão Episcopal da Educação Cristã publicou: Congratulamo-nos com o testemunho de tantos cristãos que procuram ser fiéis à doutrina da Igreja sobre a família: “cristãos que, em ambientes sociais nem sempre favoráveis, cultivam o sentido da família, na fidelidade aos ideais e às responsabilidades do matrimónio, assumindo as alegrias, as dificuldades e as surpresas da vida como caminhos de santidade que percorrem confiantes, deixando-se permear pela acção libertadora da graça de Deus. (…) Realçamos, também, o esforço e a coragem de quantos, depois da experiência dolorosa de matrimónios fracassados, se preocupam, na medida do possível, por se manterem fiéis aos valores da família e, no campo da educação, procuram os meios de melhor qualidade para os seus filhos, no esforço por superar os riscos da dispersão afectiva e do confronto com a multiplicidade de valores e critérios a que os mesmos ficam tantas vezes sujeitos, nos novos agregados que os pais e as mães muitas vezes constituem” (n. 3). Saúdo, também, os professores, os dirigentes de escolas, os estudantes, os catequistas, os sacerdotes e os párocos, e tantos outros que, com coragem, dedicação e afecto, se dedicam à nobre tarefa de educar. Que o Sagrado Coração de Jesus, símbolo do amor radical de Deus pela humanidade, a todos inspire e conduza pelos caminhos que tornem a educação fermento da construção da “civilização do amor”. Lisboa, Basílica da Estrela, 01 de Outubro de 2006 Tomaz Pedro Barbosa Silva Nunes Bispo Auxiliar de Lisboa Presidente da Comissão Episcopal da Educação Cristã

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