Ungidos para Servir

Homilia da Missa Crismal do bispo de Santarém

1.Todos participamos na Unção do Espírito

Na missa crismal concelebrada pelo bispo com o seu presbitério e dentro da qual consagramos o santo Crisma e benzemos os outros santos óleos, manifestamos a unidade do nosso ministério sacerdotal e a comunhão fraterna do presbitério. As leituras da missa apresentam-nos o Senhor Jesus Cristo como o “Ungido pelo Espírito Santo”. O nome Cristo significa mesmo “Ungido” e a palavra cristão deriva de Cristo. Ou seja, consideramo-nos cristãos porque acreditamos que Jesus Cristo, que recebeu o Espírito Santo em plenitude, faz participantes da unção do Espírito todos os membros do Seu Corpo, a Igreja. Foi o pedido feito a Deus na oração colecta. Deste modo, celebramos na Missa Crismal uma dimensão fundamental da nossa identidade cristã, comum a todos os fiéis, anterior, portanto, às diferentes funções e responsabilidades. Todos – bispo, presbíteros, diáconos, religiosos, leigos – todos somos ungidos pelo Espírito Santo, cada qual na sua medida. Todos nós aqui presentes podemos dizer como o Senhor Jesus no evangelho que ouvimos: “O Espírito do Senhor está sobre Mim. Ele me ungiu”.

Unido a todos vós na consagração comum ao Senhor e no testemunho do seu evangelho, que decorre da Unção do Espírito, saúdo cordialmente todos os presentes irmãos e irmãs. Manifesto aos presbíteros a minha amizade fraterna e gratidão pela colaboração dedicada nas responsabilidades pastorais; aos diáconos o apreço pela entrega generosa ao serviço dos fiéis; aos religiosos a grande estima e admiração pelo testemunho de santidade; saúdo também os seminaristas e noviços pela vontade de se entregar ao serviço do evangelho; os rapazes do Pré-seminário, os acólitos e todos os fiéis que procuram seguir a luz do Espírito Santo e oram ao Senhor pela fidelidade dos sacerdotes e para que nos envie operários suficientes para a Sua messe.

Dentro do contexto do ano da fé e das leituras da missa crismal, acho oportuno meditar convosco duas situações: viver a unção do Espírito Santo comum a todos nós, como um estilo de vida; exercer a missão sacerdotal como um serviço à santidade da igreja.

2. Unção do Espírito Santo como estilo de vida.

Com o Santo Crisma são ungidos os recém baptizados e os confirmados, são ungidas as mãos dos presbíteros e a cabeça dos bispos, bem como a igreja e os altares na sua dedicação; com o óleo dos catecúmenos preparam-se estes para o baptismo; o óleo dos enfermos alivia e pode curar os doentes.

A unção não é apenas um rito exterior nem se limita ao momento do sacramento. Confere aos que a recebem um dom ou força espiritual que permanece e orienta para um estilo de vida marcado pela inspiração do Espírito Santo. Como diz São João na sua primeira carta: “ A unção que dele recebestes permanece em vós… e ensina-vos acerca de todas as coisas…permanecei nele, de acordo com o que Ele vos ensinou” (1Jo 2, 27). São Paulo, por sua vez, refere-se à unção espiritual do cristão como um selo ou marca interior que grava no nosso íntimo a imagem de Cristo (2Cor 1, 22). Nesse sentido, explicita o Catecismo da igreja católica: “Este selo do Espírito marca a nossa pertença total a Cristo, a entrega para sempre ao seu serviço, mas também a promessa da protecção divina na grande prova escatológica” (C Ig C 1296)

Na celebração do ano da fé, a missa crismal convida-nos a profundar a nossa identidade cristã como existência marcada pela unção do Espírito Santo que habita em nós e nos fortalece com a força do alto. Ser cristão não pode limitar-se a uma tradição cultural, a uma sabedoria doutrinal, a uma moral ou património de valores. Ser cristão deve tornar-se o desenvolvimento de uma experiência interior de comunhão com Deus por Cristo e com força do Espírito Santo. Nessa perspectiva a carta apostólica “Porta da Fé” refere esta como “experiência de graça e de alegria”. Realmente o Espírito Santo, quando encontra em nós abertura e disponibilidade, produz os frutos espirituais da alegria e da consolação da fé; ilumina-nos com uma luz interior; aumenta o gosto e o zelo pela obra do evangelho; cura-nos e restabelece-nos; impele-nos para a missão. Em resumo, consagra-nos como propriedade do Senhor, fazendo de nós um reino de sacerdotes para oferecermos a Deus, através das nossas obras, sacrifícios espirituais e anunciarmos as maravilhas daquele que nos chamou das trevas para a sua luz admirável (Cf LG 10).

Invoquemos frequentemente o Espírito Santo para que nos ilumine e conduza, escutemos atentamente a sua voz que ressoa nas Escrituras, eliminemos os obstáculos à Sua acção, combatendo a tendência natural de vivermos para os interesses pessoais, para a nossa grandeza individual ou sucesso ou vaidade. Deixemos de pensar que somos os únicos construtores da nossa existência; na verdade, somos apenas criaturas que dependemos de Deus do seu amor e que só perdendo a nossa vida n’ Ele podemos ganhá-la. (Cf Bento XVI, últimos discursos, p 15)

3. Guardar a fé e guardar os outros

Pela ordenação sacerdotal recebemos um novo selo do Espírito, uma marca mais profunda de pertença a Cristo. De tal modo que, quando celebramos os sacramentos, nós sacerdotes agimos e falamos em nome de Cristo. Não dizemos “tomai e comei todos isto é o corpo de Cristo” Mas sim “Isto é o meu corpo”. Damos voz e visibilidade ao próprio Cristo. Realizamos de forma radical o que diz São Paulo na segunda carta aos Coríntios: “Não vivemos mais para nós mesmos mas para aquele que por nós morreu e ressuscitou” (Cf 2 Cor 5, 15). Somos chamados, portanto, a identificarmo-nos com a entrega de Cristo por todos. Ou seja, vivendo totalmente para o Senhor, colocando-nos inteiramente à Sua disposição, entregamo-nos por todos, vivemos para cuidar de todos os que nos são confiados.

Como sinal sacramental de Cristo, o sacerdote é, antes de mais um homem de Deus. Por isso, a sua missão começa pela oração. No encontro íntimo com Cristo e na escuta da voz do Espírito, encontra a força para exercer com gosto e dedicação o ministério. Muitas são as solicitações e obrigações dos padres. Mas a primeira, aquela que dá vigor e eficácia a todas as outras, é a oração. Ao renovarmos hoje as promessas sacerdotais de nos configurarmos cada vez mais com Cristo, procuremos que os nossos dias sejam ritmados pela oração, vivendo-a intensamente sobretudo na liturgia e também na experiência pessoal. São os momentos de oração que dão fecundidade e luz ao ministério.

Tendo presente que todos os fiéis participam da unção do Espírito, devemos considerar que a ordenação sacerdotal torna o presbítero instrumento do Espírito Santo. Apenas instrumento, porque decisiva e prioritária é a acção do Espírito. Por isso, um padre não deve carregar sozinho a responsabilidade da missão pastoral da comunidade. A missão do ministério ordenado não é absorver os carismas e serviços pastorais da comunidade mas descobrir os carismas escondidos, chamar colaboradores e delegar responsabilidades. Por vezes a unção do Espírito Santo e os carismas que distribui pelos fiéis podem estar adormecidos em muitos leigos. É missão do presbítero despertá-los e integrá-los na missão da igreja para que esta se manifeste como o corpo de Cristo unido e bem articulado que realiza o seu crescimento com a colaboração de todas as partes para se construir na caridade (Ef 4, 1).

Um padre não pode agir sozinho nem estar só. Para exercer com alegria e entusiasmo o ministério e vencer a solidão, precisa de cultivar a união profunda com Deus, a integração na comunidade cristã e a amizade amadurecida com outros membros do presbitério. Lembrou-nos o Papa Francisco, na homilia de início do ministério, que o poder da ordem se traduz no serviço: “ Não esqueçamos que o verdadeiro poder é o serviço e que o próprio papa, para exercer o poder, deve entrar sempre mais naquele serviço que tem o seu vértice luminoso na cruz”. Esclareceu-nos ainda que o nosso ministério ordenado se concretiza em guardar a fé, guardar Cristo e guardar os outros. Também Maria de Nazaré se apresentou como a serva humilde e disponível para colaborar no desígnio do Altíssimo. Com ela aprendamos a alegria de sermos instrumentos do Espírito Santo para proclamar o ano da graça do Senhor.

D. Manuel Pelino Domingues, Bispo de Santarém

 

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