D. Nuno Álvares Pereira foi portador de uma santidade moderna. Confrontou as suas decisões à luz de uma união com Deus em situações contingentes, de enorme exigência. Foi santo como os que hoje se envolvem nas coisas do Mundo: políticos, militares ou empresários. Obedecendo aos ideiais de Cavalaria, teve uma prática de vanguarda na defesa de Direitos Humanos e no cuidado ao próximo. Por exemplo, em vez de deixar morrer ou matar o inimigo vencido, pelo contrário, organizava hospitais de campanha para cuidar desses feridos, dava-lhes terras e mandava vir as suas famílias para poderem refazer a vida em Portugal. Do mesmo modo, enviava cereais para Espanha quando lhe chegaram notícias da fome que grassava nas terras da rota do exército inimigo, em retirada. Nun’Álvares foi um homem que não conhecia as fronteiras políticas, raciais ou religiosas para praticar os valores do Evangelho. Sabe-se que, já naquele tempo, apoiou a construção de mesquitas e sinagogas para garantir aos Mouros e aos Judeus a prática de uma liberdade religiosa nem sempre reconhecida. É também com Nun’Álvares que se institui a prática do caldeirão da sopa dos pobres que, ainda hoje, com nova urgência, se serve nos Anjos, em Lisboa. Sendo o homem mais abastado do Reino, retirou-se para a vida espiritual na Ordem do Carmo deixando os seus bens ao serviço dos mais desprotegidos. A virtudes humanas de Nun’Álvares Pereira transformaram-no num modelo para os portugueses para saber vencer provações, em tempos de crise. Gerou uma devoção contínua nos últimos seis séculos. Desde o momento da sua morte que foi considerado santo – o Santo Condestável – sendo a sua sepultura um lugar de culto continuado até ao Terramoto de 1755 e, depois, nos diferentes lugares das relíquias. A canonização não é, por isso, um acto feito agora, nos primeiros anos do século XXI, por um súbito milagre. O processo de canoniação em Roma conheceu a estagnação que, por vezes, os portugueses põem nas suas causas, a par de uma eficaz resistência espanhola. Inês Dentinho