No dia em que se comemora o 60º aniversário da libertação de Auschwitz e se celebra o “Dia da Memória”, as imagens do extermínio de milhões de judeus não pode ser arquivadas como mais um episódio dramático na história da humanidade. Além dos esforços do Papa no combate ao anti-semitismo, reconhecidos recentemente numa visita de representantes judaicos ao Vaticano, faz sentido lembrar o documento da Comissão para as relações religiosas com o Judaísmo, datado de 1998, que tem como título “Nós recordamos: uma reflexão sobre o Shoah”. I. A TRAGÉDIA DO SHOAH E O DEVER DA MEMÓRIA O século actual foi testemunha de uma indizível tragédia, que jamais poderá ser esquecida: a tentativa do regime nazi de exterminar o povo judaico, com o consequente morticínio de milhões de judeus. Homens e mulheres, adultos e jovens, crianças e recém-nascidos, só porque eram de origem judaica, foram perseguidos e deportados. Alguns foram trucidados imediatamente, outros foram humilhados, maltratados, torturados, privados completamente da sua dignidade humana e, por fim, mortos. Pouquíssimos de quantos foram internados nos campos de concentração sobreviveram, e ficaram aterrorizados durante a vida inteira. Este foi o Shoah: um dos principais dramas da história deste século, um facto que ainda hoje nos diz respeito. Diante deste horrível genocídio, em que os responsáveis das nações e as próprias comunidades judaicas julgaram difícil acreditar no momento em que esse era perpetrado sem misericórdia. ninguém pode ficar indiferente, menos de todos a Igreja, em virtude dos seus vínculos estreitíssimos de parentesco espiritual com o povo judaico e da recordação que ela nutre das injustiças do passado. A relação da Igreja com o povo judaico é diferente daquela que entretece com qualquer outra religião. Não se trata apenas de retornar ao passado. O futuro comum de judeus e cristãos exige que nos recordemos, porque «não há futuro sem memória». A própria história é memoria futuri. Ao dirigir esta reflexão aos nossos irmãos e irmãs da Igreja católica espalhados pelo mundo, pedimos a todos os cristãos que se unam a nós na reflexão sobre a catástrofe que atingiu o povo judaico, e sobre o imperativo moral de fazer com que o egoísmo e o ódio nunca venham a crescer a ponto de semear sofrimentos e morte. De modo particular, pedimos aos nossos amigos judeus, «cujo destino terrível se tornou símbolo da aberração a que pode chegar o homem, quando se volta contra Deus», que predisponham o seu coração a escutar-nos. II. O QUE DEVEMOS RECORDAR Ao dar o seu singular testemunho do Santo de Israel e da Tora, o povo judaico sofreu enormemente em diversos tempos e em muitos lugares. Mas o Shoah foi, sem dúvida, o pior sofrimento de todos. A inumanidade com que os judeus foram perseguidos e massacrados neste século supera a capacidade de expressão das palavras. E tudo isto lhes foi feito só porque eram judeus. A própria enormidade do crime suscita muitos interrogativos. Historiadores, sociólogos, filósofos, políticos, psicólogos e teólogos procuram conhecer mais acerca da realidade e das causas do Shoah. Muitos estudos especializados ainda devem ser feitos. Mas um semelhante evento não pode ser plenamente medido só através dos critérios ordinários da investigação histórica. Ele evoca uma «memória moral e religiosa» e, em particular entre os cristãos, uma reflexão muito séria sobre as causas que o provocaram. O facto de o Shoah ter tido lugar na Europa, isto é, em países de longa civilização cristã, apresenta a questão do relacionamento entre a perseguição nazi e as atitudes dos cristãos, ao longo dos séculos, em relação aos judeus. O documento • NÓS RECORDAMOS:UMA REFLEXÃO SOBRE O SHOAH
