Guerra e conflitos internos são as principais causas dos pedidos de asilo a Portugal
Segurança e temor, esperança e incerteza, sonho e pesadelo são alguns dos sentimentos experimentados pelas dezenas de estrangeiros que anualmente passam pelo Centro de Acolhimento do Conselho Português para os Refugiados, em Bobadela, Loures.
“Não é só terem de fugir porque são perseguidos e violentados. É o facto de deixarem a família e o país para trás. O próprio processo de fuga não é nada fácil e, por vezes, é até mais traumatizante do que tudo o resto”, explicou à Agência ECCLESIA a directora do Centro, Isabel Sales.
Guerra, conflitos internos e violação dos direitos humanos são as principais causas de pedido de asilo, começando também a surgir refugiados que se vêem obrigados a fugir devido à sua orientação sexual.
A violência sofrida ou testemunhada nos territórios de origem e os imprevistos do trajecto até outros países, muitas vezes à mercê de redes clandestinas de migração cujos objectivos nem sempre são claros, fazem com que os refugiados se encontrem numa situação psicológica de grande fragilidade.
“A primeira coisa que tentamos transmitir-lhes é que este é um local seguro”, sublinha Isabel Sales, um esforço que não evita que muitos migrantes precisem de ser acompanhados por psiquiatras, dado que “mesmo quando a guerra acaba nos países de origem, permanecem muitos traumas que custam a sarar”.
A instituição, que acolhe actualmente cerca de 40 pessoas, incluindo quatro agregados familiares – três são monoparentais femininos – recebe sobretudo homens solitários, “mas também já vêm muitas mulheres sozinhas”, diz a directora.
Pedidos de asilo baixaram em 2009
Em 2009, Portugal recebeu 139 pedidos de asilo – um decréscimo de quase 15% face ao ano anterior – correspondentes a 30 nacionalidades.
Dois terços dos requerimentos – que podem ser individuais ou familiares – tiveram origem em cidadãos de África, sendo a Eritreia, a Guiné Conacri e a Mauritânia os estados mais representativos.
A directora do Centro estima que em 2009 tenham sido aceites cerca de 40% dos pedidos – “É um bom número em relação a outros países da Europa”, considera Isabel Sales, que no entanto salienta tratar-se de uma quantidade reduzida.
Além destes asilados, o Governo comprometeu-se com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) a receber uma quota mínima anual de 30 reinstalados, isto é, pessoas que fugiram para um país terceiro e depois são encaminhadas para Portugal, no seguimento de uma selecção feita por aquela entidade internacional.
O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras encaminha os requerentes de asilo com carências económicas para o Centro de Acolhimento, que os assiste durante o período em que se decide a sua permanência em Portugal.
Do acolhimento em pensões a um centro dedicado
O Conselho Português para os Refugiados (CPR) foi constituído em 1991, tendo começado a sua actividade com a colaboração de um jurista, a que se seguiu a estruturação da vertente social.
Em 1998, o ACNUR encerrou a delegação em Portugal, pelo que o CPR passou a ser o interlocutor daquele organismo e a única instituição no país que protege o direito de asilo e os seus requerentes.
Os refugiados começaram por ser acolhidos em pensões, situação que além de ser onerosa não proporcionava um acompanhamento permanente, o que levou o CPR a alugar um espaço para essa valência em Bobadela.
As actuais instalações, localizadas diante do edifício anteriormente utilizado, foram inauguradas em 2006, com o financiamento da União Europeia, Segurança Social e Município de Loures.
O complexo inclui creche, auditório, biblioteca e mediateca, polidesportivo ao ar livre, lavandaria, engomadoria, salas de formação, gabinete de inserção profissional e centro de acolhimento com dez quartos comunitários.
O Centro de Acolhimento distingue-se por alargar à comunidade local alguns dos serviços que presta aos refugiados, nomeadamente a creche, servindo também como Gabinete de Inserção Profissional do Instituto do Emprego.
Em 2009, a acção do Centro contou com a colaboração de 37 funcionários e 10 voluntários, além de 26 estagiários, que adquirem uma experiência única no país.
“Penso que ficam satisfeitos porque se trata de um estágio um pouco diferente dado que se trata de uma população com especificidades e problemas diferentes”, assinala a directora.
Uma casa multicultural
À chegada a Portugal, os refugiados, que são submetidos a exames médicos, recebem um cartão telefónico e o passe social, sendo desde logo inseridos em aulas de português – “sem elas não há acolhimento nem integração possíveis”, frisa Isabel Sales.
À excepção do pequeno-almoço, os utentes adquirem a comida com um subsídio semanal atribuído pelo CPR e cozinham-na nas instalações do Centro, dado que seria incomportável fazer refeições específicas.
Nestes dias, por exemplo, os muçulmanos vivem o Ramadão, pelo que a cozinha abre das 3 às 5 da madrugada, quebrando o habitual período de silêncio nocturno do Centro.
“Agora é excepcional, tem de se respeitar”, afirma Isabel Sales, que está habituada a gerir uma casa onde convivem dezenas de pessoas de diferentes culturas e religiões, todas com os seus hábitos e preceitos: “Tem de haver muitas regras. Mas também temos de ser flexíveis e analisar caso a caso”.
Isabel Sales, a quem alguns refugiados, por respeito e carinho, chamam de mãe, entristece-se quando fala das pessoas que não são admitidos em Portugal:
“É muito complicado. Especialmente quando se tratam de casos em que acreditamos ou são mais vulneráveis.”
Na maior parte das vezes os refugiados não regressam ao seu país de origem: alguns ficam em Portugal, frequentemente sem documentos que suportem a sua permanência, enquanto outros são transferidos para estados terceiros.
A responsável recorda também casos de sucesso e é com alguma dificuldade que escolhe um: “Ainda outro dia, quando fui ao médico, veio ter comigo, toda radiante, uma senhora que conseguiu fazer um curso de análises clínicas enquanto esteve no centro de acolhimento”, complementando a formação recebida no país de origem.
“Quando a encontrei – continua Isabel Sales – lembrei-me do que ela e a família choraram quando chegaram cá e as inseguranças que sentiam devido às perseguições que sofreram num estado do Leste europeu, muito complicado do ponto de vista dos direitos humanos. Agora ela está óptima, assim como o marido e o filho.”