Uma nova linguagem, a mesma Verdade.

Padre Hugo Gonçalves, Diocese de Beja

Não podemos enterrar a cabeça na areia, fingindo não ver aquilo que se passa na Igreja na Europa – refiro-me à perda de fiéis e à pouca adesão dos mais jovens. Certamente que são múltiplas as razões que nos trouxeram até aqui, mas julgo que um dos fatores é a questão da linguagem, à qual a Igreja não foi capaz de se adaptar.

Até há quarenta ou cinquenta anos atrás, a maioria das crianças, adolescentes e jovens iam à catequese e pertenciam a grupos de jovens ou movimentos juvenis católicos; nas famílias e na própria escola respirava-se os valores cristãos e ninguém, por assim dizer, discutia determinadas matérias que têm que ver com o ser humano, isto é, o sentido da sua existência, e a questão de Deus, pois parecia não chocar ouvir na escola a teoria da evolução das espécies e a formação do universo, do mundo em que vivemos e, depois na catequese, ouvir que Deus criou o universo e nele o mundo em que vivemos, bem como a criação do próprio ser humano. Ora, essa aceitação ´cega’, esse silêncio de parte de quem era instruído na escola e na catequese acabou há muito. Os adolescente e jovens – para não dizer também os próprios adultos – romperam o silêncio e querem respostas mais profundas, mais convincentes e que possam ser compatíveis com o que a ciência nos ensina e, infelizmente, grande parte dos agentes da pastoral não foi e não é capaz de corresponder aos anseios daqueles que nos interrogam.

São Pedro, na primeira Epístola diz-nos que devemos estar «sempre dispostos a dar razão da nossa esperança» (1 Pe 3, 15). Obviamente que dar razões da nossa fé/esperança hoje não será feita com a mesma linguagem do tempo de S. Pedro ou do tempo de St. Agostinho, de St. Inácio de Loyola ou mesmo do tempo do Santo John Henry Newman. Embora o conteúdo da fé seja o mesmo, a linguagem, a abordagem têm de ser completamente novas. As exigências hoje são diferentes de há sessenta, cem ou duzentos anos atrás; o conhecimento humano progride a passos largos e são muitos aqueles que hoje a ele têm acesso – está à distância de um clique no telemóvel, no computador.

A Igreja, nela os seus principais agentes da pastoral, não podem ficar alheios a esta realidade, nem permanecer como analfabetos destes novos conhecimentos científicos e tecnológicos. É necessário investir nestas novas áreas, ter  um conhecimento suficiente para as poder usar nas respostas, nos debates sobre as matérias da fé. Infelizmente, salvo raras exceções, isso não acontece na Igreja em Portugal. Que diremos a alguém que nos questione sobre, por exemplo: ‘Como provas a existência de Deus? O que é a Ressurreição? O que é o Céu e o inferno?’ etc. O mais fácil, como fuga para a frente, é responder: ‘Deus existe e pronto… Porque há uma força que criou tudo isto… Nós acreditamos que há alguém’ ou ‘A Igreja ensina isso e eu sinto cá dentro que é assim…’. Mas qual é o adolescente, jovem ou adulto que hoje se contenta com este género de respostas? Ninguém fica satisfeito e muito menos convencido com algo deste género. Hoje, talvez mais do que nunca, os párocos, os catequistas, os animadores de grupos de jovens têm de alargar o seu conhecimento para além daquilo que já receberam, das disciplinas teológicas que estudaram. A filosofia e a ciência tem de estar hoje presentes na panóplia de matérias a estudar e conhecer. Há poucas semanas vivíamos o acontecimento da morte do Papa Emérito Bento XVI – a sua vida foi essencialmente dedicada a ligar a fé com a razão – e quantos não foram tocados pelos seus escritos, pelas suas palavras proferidas em colóquios, palestras, catequeses, homilias. É este também o exemplo que somos chamados a seguir.

Com a pandemia, durante o tempo em que ficámos confinados em nossas casas, tive a oportunidade de gastar algum tempo a procurar alguns conteúdos, na plataforma digital Youtube, sobre ciência e fé. Nessa minha procura encontrei alguns conteúdos interessantes, mas houve um professor universitário que me prendeu, que me fez procurar alguns dos seus livros e ouvir algumas das suas preleções – o seu nome é John Lennox. John Lennox, nascido numa família protestante da Irlanda do Norte (uma família tolerante) é atualmente professor emérito de Matemática na Universidade de Oxford, embora a sua alma mater seja a Universidade de Cambridge. Desde jovem procurou fazer o encontro entre fé e razão, tendo nesse caminho podido conhecer e ouvir C. S. Lewis (Clive Stapels Lewis) – o que o influenciaria de forma muito incisiva. A sua paixão pela Sagrada Escritura, o seu estudo profundo de matérias teológicas, aliado ao seu olhar de cientista e também filósofo, fazem dele hoje – a meu ver – um dos grandes pensadores e transmissores do cristianismo, com uma linguagem atual, acessível, porque simples, e fazendo uso da ciência e da filosofia, para chegar a muitos. Hoje ele é convidado por muitas universidades e comunidades cristãs, para mostrar que racionalmente, cientificamente, Deus existe e que o ateísmo não tem razão. De entre os vídeos que pude ver, recordo-me de ver uma das suas palestras no Youtube, a qual foi dada a estudantes e docentes de medicina, da Universidade de Yale, sobre o tema: “Onde está Deus no sofrimento?”. Um dos seus livros é uma resposta ao conhecido físico britânico Stephen Hawking, conhecido pelo seu ateísmo militante – o livro chama-se “God & Stephen Hawking” (trad. Deus e Stephen Hawking).

Nós Igreja precisamos de ouvir e ler autores como este que acabei de apresentar, pois eles abrem o nosso conhecimento para dimensões que nos escapam – as da ciência – e que são fundamentais para hoje, para os desafios que se nos colocam, para as respostas que temos de dar, numa linguagem nova, para darmos razões da nossa fé, para que outros se possam questionar sobre a possibilidade de Deus.

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Agência ECCLESIA

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