Uma modesta proposta no excesso de propostas

Jorge Pires Ferreira, Diocese de Aveiro

Tenho alguma ansiedade em saber o que sai do Congresso Eucarístico Nacional. No momento em que escrevo estas linhas, o Congresso ainda não acabou. Deliberadamente, só depois de concluir este artigo é que vou espreitar o que está a acontecer por Braga.

Na Igreja em Portugal, como na sociedade em geral, nos tempos que correm, temos um excesso de paradigmas, de “momentos históricos”, como dizia um certo político que estava sempre a viver momentos desses, de viragens, de mudanças estruturais, de novos modelos, que, por mudarem tanto, acabam por ficar no mesmo sítio.

E vem aí mais um sínodo. E um jubileu. Depois de uma “visita ad limina apostolorum”. E de uma JMJ. E de vários sínodos. E de um Ano da Misericórdia. E o Ano da Fé. O Paulino. O da Eucaristia. O Ano Sacerdotal… O que ficou de “Promover a Renovação da Pastoral da Igreja em Portugal “, na sequência da “visita ad limina” de 2007 (e depois ainda houve a de 2015)?

Mais, algumas propostas, com os seus ritmos, ritos e indulgências, parecem dirigir-se a um mundo que já não existe. Ou pelo menos não existe na nossa Europa. O mundo da cristandade. Mas ainda se vive nele por simulacro, por convenção, por tradição, por arrastamento. Por tudo menos por convicção.

Um exemplo. Por esta altura, em qualquer lugar onde há ensino superior, há bênção dos finalistas. São uns heróis os jovens que integram as comissões de finalistas que organizam as bênçãos. Conciliam dezenas de reuniões com a última etapa dos estudos. Mas tanto esforço para quê? Para participarem milhares de jovens na bênção dos finalistas, das fitas, das pastas ou do que for. Um sucesso. Mas participarem como? É confrangedor estar numa celebração destas. A maior parte dos jovens não sabe responder à missa. Por vezes até sabem os cânticos, porque foram a dois ou três ensaios. Mas não houve ensaios para responder ao presidente da Eucaristia. Muitos passam a celebração a olhar para o telemóvel. Arrisco que vários deles comungam pela segunda vez, depois da primeira Comunhão. E alguns comungam mesmo pela primeira vez. É uma questão de estar na fila.

As festas populares, as peregrinações e mais uma série de encontros ainda atraem multidões, enquanto os valores cristãos perdem relevância na vida das pessoas. É muito estranha uma sociedade em que 80 por centro das pessoas de identificam como católicas, mas não se identificam com a moral sexual católica (90 por cento dos casais católicos norte-americanos usam contracetivos artificiais – em Portugal deve-se passar o mesmo), com a indissolubilidade do casamento católico, com o que a Igreja diz da prática do aborto e da eutanásia, com a fé na vida eterna, até com a presença de Jesus no pão da Eucaristia. Pertencer sem se identificar com é consequência da cristandade, do tempo em que não era preciso convicção pessoal para se ser cristão. Bastava dizer que se cria no que a Igreja crê. Hoje, não chega. Ou então, diz-se que se crê no que a Igreja propõe, como vemos na celebração de qualquer sacramento, principalmente no Batismo de crianças, mas depois a vida toda vai por outro lado. E toda a gente sabe disso. “Há de ficar alguma coisa” – é a esperança de tantos líderes das comunidades cristãs nos batismos, comunhões, crismas e casamentos, até porque a “Igreja não é para os puros, é para todos”. Ainda bem que a Igreja é para todos. Todos os que querem. Mas querem mesmo? Sabem ou sentem o que querem e pedem?

Bento XVI escreveu no seu mais belo documento, que prometia tanto, que “no início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (“Deus caritas est”, 1). No início, o encontro. Pelo menos o encontro, que seduz, que apaixona, que leva ao seguimento. Sem encontro, nada feito.

Nos anos 90, um pastoralista notou que há muitos batizados, alguns catequizados e poucos evangelizados. Uma pirâmide típica da cristandade a dar as últimas. Se fosse como Bento XVI preconizou, deveríamos estar num tempo de alguns evangelizados (no encontro apaixonante com Jesus), alguns catequizados (no aprofundamento do encontro) e alguns, com certeza menos, batizados (adesão/amizade formalizada), que mesmo assim poderia incluir o “todos, todos, todos” do Papa Francisco. Já sacramentos sem encontro, a começar pelo Batismo, é a origem de todos os equívocos eclesiais e o princípio da incoerência cristã.

 

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