Uma Igreja presente ao mundo

Francisco Sarsfield Cabral A primeira encíclica social de Bento XVI teve de esperar pela evolução da grave crise económica global, originada numa crise financeira onde a falta de ética se fez sentir de maneira chocante. E, não por acaso, a encíclica Caritas in Veritate foi divulgada nas vésperas do encontro do G8 em Aquila, Itália. Após a reunião do G8, o Presidente Obama foi recebido em audiência, pelo Papa.

Estes factos mostram que a Igreja quer estar presente ao mundo e tem uma palavra a dizer sobre ele. Não que a Igreja possua soluções técnicas, políticas ou económicas. Mas tem algo mais importante: é "perita em humanidade", como dizia Paulo VI. A Doutrina Social da Igreja é teologia moral e por isso oferece uma visão integral do homem e do desenvolvimento. Este jamais pode desligar-se dos valores fundamentais, sob pena de deixar de ser desenvolvimento.

Obama e o Papa

O encontro de Bento XVI com Barack Obama evidencia a importância do diálogo dos católicos com pessoas de outras religiões ou de nenhuma religião, procurando tornar menos penosa a vida dos homens. Diálogo que a encíclica considera necessário para o progresso da humanidade.

Recorde-se que surgiram muitas críticas de católicos quando Obama foi convidado a falar na Universidade Católica de Notre Dame, nos Estados Unidos. Isto porque o presidente americano admite o aborto. Simplesmente, Obama parece ser um homem de boa vontade – e com pessoas assim é possível o diálogo, por muito divergentes das nossas que sejam as suas ideias. E, de facto, o diálogo do Papa com Obama correu bem. É uma lição que convém não esquecer.

Dimensão teológica

A publicação da Caritas in Veritate por altura da reunião do G8 foi um gesto de oportunidade. Nessa reunião até se deram alguns passos positivos no apoio à agricultura dos países pobres, indo ao encontro do que a Igreja há muito reclama.

Mas receio que a encíclica, em geral recebida de modo favorável, possa ser insuficientemente entendida na sua profunda dimensão teológica. Embora rica em propostas, pistas e sugestões, a Caritas in Veritate vale, acima de tudo, pela fundamentação antropológica e teológica que traz à Doutrina Social da Igreja. A encíclica liga de forma exemplar as questões mais concretas a uma concepção forte do que é a pessoa humana.

Ora esta ligação implica um texto longo e denso, a que a nossa cultura mediática, sensível a slogans e a simplismos redutores, é geralmente alérgica. Naturalmente, aquilo que os meios de comunicação social colheram na encíclica teve sobretudo a ver com propostas concretas de Bento XVI, muitas delas já apresentadas por anteriores papas – como foi o caso da criação de uma autoridade política mundial para enquadrar alguns aspectos da globalização.

Contra o relativismo

Tais propostas são importantes, mas não esgotam a Caritas in Veritate. O essencial está no aprofundamento antropológico e teológico das questões que a encíclica aborda. E na fundamentação metafísica das mensagens éticas que transmite.

Trata-se, assim, de um texto típico de Bento XVI. Há muito que o teólogo Ratzinger tem como principal alvo das suas críticas o relativismo, a ideia – filosófica, mas com grande expressão prática no mundo actual – de que tudo se equivale, nada sendo susceptível de sólida justificação. No plano moral, esta visão das coisas tem, ou pode ter, consequências devastadoras. É que uma "concepção débil da pessoa" (expressão de J. Ratzinger) é incapaz de dar força aos direitos humanos e às exigências éticas de fundo.

Francisco Sarsfield Cabral, Jornalista

 

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Agência ECCLESIA

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