Uma gravidez de risco?

Rui L. Teixeira, Diocese de Setúbal

A Igreja, como o mundo, sempre faz caminho. Às vezes mais depressa, outras vezes mais devagar. Passam os tempos, alteram-se as dinâmicas, mas o Povo de Deus é desafiado a caminhar. O nosso querido Papa Francisco já nos vai habituando, com as suas provocações, para nos desinstalarmos e nos colocarmos a caminho, tendo coragem de discernir e fazer as nossas próprias escolhas.1,2

Entre 2021 e 2024 estamos a viver um tempo de caminhada sinodal particularmente exigente e desafiadora. Na sequência de outras temáticas já discutidas em Sínodo dos Bispos, como os jovens, a família, a nova evangelização, a Igreja vive agora este percurso centrada na temática “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. Vive uma reflexão sinodal sobre o próprio “ser Igreja”. 3

Metodologicamente mais exigente que percursos sinodais anteriores, tem-se procurado que esta reflexão seja o mais aberta possível, com vários níveis e etapas de participação, desde o habitual questionário a todas as realidades eclesiais, a uma série de reuniões e assembleias que possam ir discernindo o caminho e abrir espaço a decisões que sejam depois confirmadas. Já os percursos sinodais mais recentes, durante o Pontificado do Papa Francisco, tinham sido revestidos de diversas camadas e oportunidades de participação, nomeadamente assembleias extraordinárias, encontros de peritos e reuniões pré-sinodais. Desta vez, com desejo de que os “frutos do processo sinodal (…) atinjam a plena maturação” o Papa quis dar tempo às comunidades cristãs, decretando que o encerramento do processo previsto para outubro de 2023 seja apenas em outubro de 2024. É, portanto, dado mais tempo aos vários níveis e contextos para reflectirem sobre os contributos uns dos outros e compreendam que a “sinodalidade é uma dimensão constitutiva da Igreja”. Para a construir precisamos edificar paciente e diligentemente.4

Entre as diversas oportunidades de partilha e reflexão decorrem de Janeiro a Março de 2023 as assembleias continentais de África, Ásia, América do Sul, América do Norte, Europa, Oceânia e Médio Oriente. A assembleia continental europeia acaba de decorrer em Praga, tendo tido a participação de delegados de cada Conferência Episcopal e também de alguns organismos internacionais presentes na Europa.

Uma das questões que parece ter emergido foi a questão dos protagonistas. Quais são os protagonistas que estão a participar, e quais os protagonistas que estão alheados do processo. A lista de participantes, de acesso público, apresenta um conjunto interessante de bispos, presbíteros e leigos, entre os quais especialmente mulheres. Podemos inquietar-nos sobre a participação de um ou de outro grupo. Onde estão os jovens? Onde estão os leigos com responsabilidades pastorais? É bom colocarmos estas questões. Parece-me que nos devemos perguntar sobretudo pelos mecanismos. Que mecanismos foram utilizados nos últimos meses para levar os jovens à participação? Foram eles convidados para participar nas reuniões locais, nacionais ou continentais? E o clero? Foram os párocos motivados a compreender a importância deste processo e participar no diálogo franco e aberto sobre as questões que estão em cima da mesa?  Acredito que é prioritário rever estes mecanismos e desafiar as realidades, locais e globais. É preciso ter a ousadia de pensar em novas estratégias de motivação por forma a colocar na pista deste percurso os grupos de cristãos que possam estar mais dormentes ou cuja participação julgam desnecessária ou desinteressante. Sobretudo importa colocar em diálogo, em relação.

O clima da assembleia continental europeia parece ter sido também pautado pela partilha das inquietações que as diferentes realidades sentem, sendo algumas vezes de tensão entre diferentes perspectivas: umas do oriente, outras do ocidente, umas do norte, outras do sul. Há, de facto, questões duras que parecem dividir sensibilidades. A liturgia, cume da vida cristã, tem de nos colocar em comunhão e não pode ser motivo de discórdia e de separação entre diferentes visões da Igreja. Os ministérios na missão da Igreja podem efectivamente viver em harmonia, sublinhado a coresponsabilidade dos membros do Povo de Deus. As linguagens têm de ser capazes de testemunhar Cristo num mundo sempre em mudança. 5  “A unidade da Igreja só pode ser entendida na diversidade, (…) a sua universalidade em relação com o que é particular” chamava a atenção o Cardeal Mário Grech. 6 As diferentes opiniões e sensibilidades têm espaço na Igreja e devem procurar não viver para o conflito, mas para a comunhão.

Parece realmente que o debate tem sido mais ad intra do que ad extra. Creio que é benéfico que se faça este continuado exercício de escuta, de diálogo e de discernimento. Sem ele como pode uma casa enraizar-se solidamente na rocha? 7 É preciso não ter medo de olhar para dentro das nossas dinâmicas eclesiais, abrindo janelas, portas, gavetas e armários para o Espírito do Senhor entrar. Este é um exercício permanentemente necessário a uma Igreja que se quer orientada para a missão.

Estas tensões e problemáticas são talvez sintomas de uma gravidez de risco que importa, contudo, levar por diante, de uma vida que importa proteger.

Que Maria, Mãe da Igreja, nos ajude a fazer este caminho, a envolver-nos com coragem nos meses que ainda temos de itinerário sinodal.

 Rui L. Teixeira
Corpo Nacional de Escutas, Região de Setúbal

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  1. Discurso do Santo Padre na Vigília de Oração com os Jovens, por ocasião da XXXI jornada mundial da juventude em Cracóvia, 30 de julho de 2016
  2. Discurso do Santo Padre na Audiência Geral, 31 de agosto de 2022
  3. Documento preparatório para a XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos “Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”, setembro de 2021
  4. Discurso do Santo Padre no Angelus de 16 de outubro de 2022
  5. European Continental Assembly: final remarks. CCEE, 9 de fevereiro de 2023
  6. Homilia do Secretário do Sínodo dos Bispos, 8 de fevereiro de 2023
  7. a passagem do Evangelho segundo S. Mateus: 7, 24-25
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Agência ECCLESIA

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