Um processo imparável

Rui Saraiva, Diocese do Porto

Há quem tenha muita esperança no Sínodo, sublinhe a necessidade de mudanças e peça a aplicação do método sinodal na vida das comunidades. Mas há muitas resistências. A segunda sessão da XVI Assembleia do Sínodo dos bispos decorre de 2 a 27 de outubro.

Imparável. Creio que seja esta a palavra que melhor define o estado do processo sinodal em curso na Igreja. A expressão não é minha, mas do padre redentorista Rui Santiago. Subscrevo e confirmo.

A liberdade do povo de Deus

O missionário da Congregação do Santíssimo Redentor afirma a sua profunda esperança no Sínodo, como sendo “uma espécie de solavanco eclesial que vai desencadear processos que são imparáveis. Tenho muita esperança no Sínodo”, diz.

Para o sacerdote, mais importante do que o documento final do Sínodo, é o processo que está desencadeado. Porque na História da Igreja “vai haver um antes e um depois deste Sínodo”, salienta.

“É a diferença entre um Sínodo do qual se espera um belíssimo documento, a um Sínodo, como é o caso deste, em que, seja qual for o documento final, é o que menos interessa. Porque o processo está desencadeado”. “Este processo é de facto imparável”, sublinha o missionário.

O padre Rui Santiago destaca ainda a liberdade que o povo de Deus sente neste processo sinodal. O “Sínodo está a ser um desencadear desta liberdade”. “O que eu acho que há de histórico neste momento tem a ver com a liberdade que o povo de Deus sente”, declara.

Para o sacerdote, é também importante serem faladas neste Sínodo as questões sobre a estrutura da Igreja, mas mais significativo é fazer a experiência sinodal.

Resistências e inércias

Mas há muitas “resistências” ao Sínodo, como revela o teólogo José Eduardo Borges de Pinho, membro da Equipa Sinodal da Conferência Episcopal Portuguesa, em entrevista à Rádio Renascença e à Agência Ecclesia publicada em julho passado.

“Não me admira muito que haja resistências, não me admira muito que haja inércias”, afirma o professor jubilado da Universidade Católica Portuguesa, acentuando a necessidade de mudanças profundas na Igreja.

“Na minha leitura, há aqui mudanças, mudanças profundas que têm de ser feitas. São mudanças naturalmente de mentalidade, mas são, no fundo, verdadeiras conversões. Conversão do modo de proceder, do modo de olhar, do sentido das prioridades”, refere.

O teólogo alerta para o facto de que “as pessoas não desistem do poder” e preconiza que é necessária uma mudança com “humildade” e “disponibilidade”.

Também de resistências à mudança se falou na Assembleia Mundial “Párocos pelo Sínodo” que decorreu em Roma de 29 de abril a 2 de maio. Neste encontro, que reuniu cerca de 200 párocos de todo o mundo, foi possível ouvir da boca dos sacerdotes, durante a partilha de experiências, que as principais resistências ao Sínodo vêm de padres e bispos.

Quem refere este facto é o padre Sérgio Leal, pároco de Anta e Guetim na diocese do Porto, que esteve nesta Assembleia Mundial por indicação da Conferência Episcopal Portuguesa. “Há ainda muita dificuldade em implementar processos sinodais nas dioceses”, afirma.

“Aquilo que diziam os padres na partilha era que os impedimentos não eram da parte dos fiéis, porque desses até se encontrava muita expectativa no processo sinodal, mas, quer no presbitério, quer da parte do bispo, tantas vezes, se encontravam resistências à implementação destes processos sinodais”, diz o sacerdote.

Relações, percursos e lugares no caminho da Igreja

Entretanto, foi apresentado em julho o Instrumentum Laboris (instrumento de trabalho) para a segunda sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos bispos que decorre em Roma de 2 a 27 de outubro deste ano de 2024.

O documento tem como título “Como ser Igreja sinodal missionária”, recorda as etapas diocesanas, nacionais e continentais e os três anos de um caminho de reflexão, de escuta e de discernimento nas comunidades eclesiais de todo o mundo. Apresenta três partes com elementos essenciais da dinâmica sinodal: Relações, Percursos e Lugares.

No Instrumentum Laboris (IL) é pedida uma conversão das “relações”. Salienta a necessidade de “animar as relações ao serviço da unidade, no concreto de uma partilha de dons que liberta e enriquece todos”, refere o texto.

Neste documento a parte dedicada aos percursos, “põe em evidência os processos que asseguram o cuidado e desenvolvimento das relações, em particular a união a Cristo com vista à missão e à harmonia da vida comunitária”.

Destaque especial para a importância do discernimento e para os processos de decisão, sendo sublinhado que na “Igreja sinodal toda a comunidade, na livre e rica diversidade dos seus membros, é convocada para rezar, escutar, analisar, dialogar, discernir e aconselhar na tomada de decisões pastorais”.

Por sua vez, a parte do IL dedicada aos lugares convida a que seja superada “uma visão estática segundo um modelo piramidal”, ordenado por graus sucessivos como a paróquia, a diocese e a conferência episcopal.

É sublinhada a necessidade de serem valorizados os conselhos paroquiais e diocesanos como “instrumentos essenciais para o planeamento, a organização, a execução e a avaliação das atividades pastorais”. Conselhos que podem incluir aspetos de “estilo sinodal” como “processos decisórios sinodais e lugares da prática da prestação de contas” refere o documento.

Promover a aplicação do Sínodo

O IL deixa claro que o processo sinodal iniciado em 2021 pelo Papa Francisco com o tema “Por uma Igreja Sinodal: participação, comunhão e missão”, não se conclui em 2024 com a segunda sessão da XVI Assembleia.

Declara que as duas sessões, de 2023 e 2024 “fazem parte de um processo mais amplo que, de acordo com as indicações da Constituição Apostólica Episcopalis communio, não terminará no final de outubro de 2024”. Assinala o “caminho de conversão e de reforma que a segunda sessão convidará toda a Igreja a realizar”.

“Estamos ainda a aprender como ser Igreja sinodal missionária, mas é uma missão que experienciámos poder empreender com alegria”, diz o texto. O documento destaca especialmente a importância da metodologia sinodal da Conversação no Espírito, no caminho percorrido até ao momento.

A este propósito recordo as palavras do padre Sérgio Leal, que já aqui citei sobre o encontro “Párocos pelo Sínodo” e que, na sua qualidade de especialista em sinodalidade, considera que “a Secretaria Geral do Sínodo deveria promover um processo de aplicação do Sínodo”.

A Rede Sinodal em Portugal

E promover a aplicação do Sínodo, suscitando comunicação e sinergias, é o objetivo do site ‘Rede Sinodal em Portugal’ (www.redesinodal.pt), lançado a 6 de janeiro de 2024, na Epifania do Senhor. Esta plataforma inspira-se no livro “Não temos medo – Reflexões sobre a Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023 e o caminho sinodal”, uma obra que nasceu do dinamismo de um grupo de leigos, leigas, sacerdotes e religiosas que partilharam em livro as suas reflexões.

Este livro da Paulinas Editora tem fotos de João Lopes Cardoso, foi coordenado por mim e conta com o prefácio de Paulo Portas, o posfácio de Paulo Terroso e os textos de Bento Amaral, Filipa Lima, Filipe Anacoreta Correia, Helena Ferro de Gouveia, João Paiva, Joaquim Franco, José Luís Borga, José Manuel Pureza, José Maria Brito, Matilde Trocado, Paulo Mendes Pinto, Rita Sacramento Monteiro, Sandra Bartolomeu, Sérgio Leal, Sílvia Monteiro, Sofia Salgado e Sónia Neves.

Foi assim que tomando inspiração neste livro surgiu a “Rede Sinodal em Portugal”. Um site que tem como missão abrir um espaço de informação sobre o Sínodo, apresentando num mesmo lugar o entusiasmo de quem está em movimento fazendo caminho juntos, na pluralidade e diversidade, promovendo o método sinodal em diálogo com o mundo.

O site foi anunciado a todos os bispos e dioceses de Portugal e respetivas comissões sinodais, colocando-se ao seu serviço, tendo sido pedidos contributos sobre o andamento dos respetivos processos de trabalho sinodal. Dessa primeira abordagem surgiu em março de 2024 uma síntese sobre o pulsar do Sínodo em Portugal. Foram também promovidos cinco encontros presenciais em cinco diferentes dioceses: Aveiro, Coimbra, Porto, Guarda e Lisboa.

A importância da experiência do método sinodal

E fazer a experiência do método sinodal da “Conversação no Espírito” é essencial para caminhar em conjunto neste processo sinodal. Este método tem um grande potencial de “projeção pastoral de um plano pastoral diocesano ou paroquial”.

O padre Sérgio Leal assinala que “este processo de Conversação no Espírito é um processo fundamental, até para “a resolução de conflitos numa comunidade”. “Permite escutar o outro, ser escutado e sobretudo escutar o Espírito Santo”, afirma o sacerdote.

A XVI Assembleia Geral do Sínodo dos bispos vai escutar o Espírito Santo?

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Agência ECCLESIA

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