Um precursor português do Concílio Vaticano II

A vida e obra do Pe. Sena Freitas, da Congregação da Missão, reflectidas num congresso na UCP “Um percursor de muitas intuições que estão na base do Concílio Vaticano II, nomeadamente na abertura da Igreja ao mundo e no diálogo com as realidades temporais” – foi assim que Eduardo Franco, elemento da Comissão Científica do Congresso Internacional «Igreja, Sociedade e Cultura – o Pe. Sena Freitas e o seu tempo», definiu o Pe. Sena Freitas (1840-1913), sacerdote da Congregação da Missão. A decorrer na Universidade Católica Portuguesa (UCP), em Lisboa, dias 20 e 21 de Outubro, esta iniciativa pretende recordar a “memória deste importante intelectual católico” – sublinha Manuel Braga da Cruz, Reitor da UCP. O Pe. Sena Freitas pode definir-se como “o homem da palavra”. O seu percurso– da juventude até à morte (morreu a escrever a sua autobiografia) é de contacto com a palavra. “A área de expressão onde ele se sentia melhor e por onde começa” – disse à Agência ECCLESIA Luis Machado de Abreu, elemento da comissão científica do congresso e que proferiu a conferência «Sena de Freitas: uma vida ao serviço da palavra». E acrescenta: “palavra de pregador e de catequizador que leva o «recado» da Boa Nova”. Divórcio entre a Igreja e cultura No século XIX estabeleceu-se um divórcio entre a Igreja e a cultura “devido ao medo que a Igreja teve em se abrir à sociedade moderna”. Esta fechou-se em si própria como “auto-defesa em relação ao mundo”. Apesar deste quadro surgiram algumas figuras que tentaram “quebrar esse muro e estabelecer pontes de contactos. Tentaram mostrar que a religião era compatível com a sociedade moderna” – descreveu Eduardo Franco. O Pe. Sena Freitas destacou-se nesse quadro como “um intelectual brilhante. Camilo Castelo Branco reconheceu-lhe méritos e uma excelente craveira intelectual” – salienta aquele elemento da Comissão científica. A visão de Igreja deste sacerdote Vicentino ou padre Lazarista, nascido nos Açores, vê para “além dos horizontes fechados”. Contribui de forma profética e diz à Igreja de então “que é preciso dialogar com o mundo mas, em simultâneo, ter uma presença credível”. Ao olhar para a sociedade de hoje e para aquele onde viveu o Pe. Sena de Freitas, o Provincial da Congregação da Missão, Pe. José Alves, esclarece que “há um paralelismo muito grande”. Épocas com mudanças “culturais profundas e por isso uma inadequação de linguagem para verbalizar a fé”. O mérito do Pe. Sena Freitas está no questionar-se sobre “como comunicar a mensagem cristã aos homens de hoje. Procurou fazê-lo pela palavra e pela escrita. Ele mesmo se cultivou e procurou que o clero daquela época se cultivasse” – disse o Pe. José Alves. Falta de formação seminarística Ao descrever a sociedade dos finais do século XIX e princípios do século XX, o Pe. Sena Freitas confessa que a acha “demasiado passiva”. E aponta quatro razões: “a inércia típica do caracter português”; “comodismo próprio de quem pretende conciliar o inconciliável”; “a falta de formação seminarística do próprio episcopado” e o “cesarismo”. Perante estas definições, Luis Machado de Abreu explicou que este sacerdote era conhecido “como grande polemista ao serviço da causa da Igreja numa sociedade ora acomodada e tíbia, ora sobressaltada por fúrias de anticlericalismo oportunista”. O Pe. Sena Freitas sendo um sacerdote da Congregação da Missão “deixou-nos uma tradição interna: comunicar a palavra. Entre nós são «clássicas» as missões populares que correspondem a uma catequese de adultos. As missões populares têm essa finalidade: ajudar a descobrir novas linguagens para transmitir a fé” – confessou o Pe. José Alves. Problemas de saúde dificultaram que ele se dedicasse mais “intensamente à palavra”. A partir de 1872 “assistimos à conversão do homem da palavra falada para o homem da palavra escrita”. O escritor que escreve ensaios, textos de polémica, nos jornais (está na origem do «Progresso Católico» de Guimarães), discursos e sermões. As últimas décadas da sua vida são dedicadas à palavra escrita. Até pela formação, o Pe. Sena Freitas (ordenado em 1865) pode contactar de “maneira trabalhada com os textos bíblicos”. Foi professor, num Seminário em Minas Gerais (Brasil), de Sagrada Escritura e Teologia Dogmática. “Esse contacto com os textos bíblicos tornou-o sagaz na interpretação dos textos e oportuno na transmissão da Boa Nova. Muito mais que uma retórica vazia, oca e de grande eloquência, o Pe. Sena Freitas sabe medir a palavra e aplicá-la de modo oportuna” – proferiu Luis Machado de Abreu. O Pe. António Vieira do seu tempo Para argumentar e contra-argumentar, o Pe. Sena Freitas estuda as várias correntes do pensamento “da boca dos mestres”. Só assim o seu diálogo “era credível” e “cientificamente argumentado” – acrescenta Eduardo Franco. Estudioso e viajante, o Pe. Sena Freitas sentia-se desgostoso com a sociedade do seu tempo. “Sonhava e pedia que os prelados portugueses denunciassem a situação política” – disse. E adianta: “repudiava a timidez do episcopado português”. As suas viagens são “fabricadoras de utopia” porque “tentou abrir os olhos à cegueira daquele momento”. E conclui Eduardo Franco: “foi considerado o Pe. António Vieira do seu tempo”.

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