Um passeio pelo respeito

António Salvado Morgado, Diocese da Guarda

Não será uma palavra de uso muito comum na sociedade actual. Nem a palavra nem a realidade significada. Quem nunca terá ouvido dizer que «Já não há respeito por nada»? E não se tratará somente, como imagino, de um lamento saudosista dos tempos de autoritarismos passados em que tanto se abusava dele. Hoje aquele lamento talvez seja sintoma do sentimento da ausência de uma virtude que se considera da maior importância social se, como julgamos, o respeito é uma condição fundamental da vida pública.

Vem-se falando desde há décadas na implementação nas escolas de uma disciplina de educação cívica, mas esquece-se que a grande escola de cidadania é a própria sociedade e a acção dos seus principais agentes. A aprendizagem social possui subtilezas próprias que facilmente se esquecem ou se lançam para o sótão de velharias ultrapassadas. Os psicólogos da escola de Bandura [1925-2021] aí estão desde há muito a recordarem a dinâmica da imitação na vida social. Imitação e, frequentemente, identificação com a pessoa modelo.

Quando se perde o sentido do respeito no interior das próprias instituições é a vida colectiva que vai ficando doente, por mais que se inventem conteúdos a tratar na escola na chamada “Disciplina de Cidadania”.

Os hábitos humanos vão-se instalando lenta e activamente, particularmente aqueles que são do domínio da sensibilidade. Será particularmente esses que nos vão cegando à medida que os vamos alimentando. É o que poderá acontecer quando olhamos com normalidade para deputados da nação que não respeitam o cidadão, nem a casa onde se fazem as leis da vida colectiva; é o que poderá acontecer quando, num tribunal, os réus não respeitam os juízes nem os representantes da autoridade do Estado e se transforma um espaço de justiça num espaço de espectáculo. É o que poderá acontecer quando encarregados de educação e alunos não respeitam os professores e perdem o sentido dos espaços de aprendizagem. É o que poderá acontecer quando tudo isto é mediatizado por máquinas de fazer audiências que se constituem também frequentemente como escolas do desrespeito a coberto da informação.

O verdadeiro significado do respeito vai muito além da mera cortesia ou da rede de boas maneiras. E, para tal interiorizarmos, não será necessário visitar o famoso filósofo Kant [1724-1804] para o qual o respeito é o sentimento fundamental da vida humana prática que surge da consciência moral e da dignidade humana. Baste o pragmatismo da vida para apreendermos a importância do respeito na construção de relacionamentos harmoniosos baseados no bom entendimento recíproco.

A palavra “respeito” provém de um verbo latino que significa, literalmente, «olhar para trás», que é como quem diz «olhar de novo» que pressupõe um distanciamento. Devido, ou não, à especificidade da comunicação digital, será também isso que parece às vezes faltar no espaço público: distanciamento para olhar, para ver de novo e ver melhor, com atenção, com consideração, como profundidade. Levado às últimas consequências, respeitar é escutar, é cuidar.

O respeito é um sentimento positivo em relação ao outro e ao seu mundo. Já se vê que o respeito é susceptível de ser visto a níveis relacionais múltiplos: familiar, laboral, religioso, político, ecológico… Mas há sempre um respeito primeiro, um respeito ontológico que é devido ao outro, enquanto ser humano. É aí onde a dignidade do Homem se traduz no respeito. É aí que se impõe um distanciamento necessário para «olhar de novo» e ver melhor e em profundidade. Aí o respeito é lei ontológica da Razão Prática do Homem.

(Os artigos de opinião publicados na secção ‘Opinião’ e ‘Rubricas’ do portal da Agência Ecclesia são da responsabilidade de quem os assina e vinculam apenas os seus autores.) 

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