Octávio Carmo
Agência ECCLESIA
A muito aguardada visita do Papa Francisco a Fátima, por ocasião do centenário das aparições, não foi propriamente relâmpago – porque é legítimo esperar que a sua memória continue a “iluminar” o rosto de muitas pessoas durante os próximos tempos. O Santuário vestiu-se com as cores do mundo, confirmou a sua vocação universal e acolheu como peregrino um Papa que nunca precisou de deixar de ser igual a si próprio para ser acarinhado, ouvido e entendido.
O meu primeiro comentário ao que estava a testemunhar na Cova da Iria foi para o silêncio: Francisco evitou que o clima de festa com que, naturalmente, foi acolhido, transformasse o recinto de oração num ‘Papódromo’. O silêncio na Capelinha das Aparições recentrou toda a multidão no essencial, do ponto de vista católico, à margem dos shows e da procura de exibicionismo mediático. Uma lição.
Tal como Bento XVI, em 2010, o Papa Francisco quis trazer a Fátima uma reflexão sobre o papel da Virgem Maria na vida da Igreja, da devoção popular, da transformação que a festa da fé na Cova da Iria deve gerar em cada pessoa. A emoção de viver, pela primeira vez, uma peregrinação neste santuário português foi complementada por discursos simples, diretos, que não apareceram como corpos estranhos no que têm sido as preocupações do atual pontificado. Nem o contrário se esperava.
Entre o silêncio e os discursos, houve também espaço para caminhar. Com surpresa, viu-se Francisco descer do papamóvel e, como tantos peregrinos, seguir a pé o percurso para a Capelinha das Aparições. Um gesto simbólico, próprio de alguém que defende uma Igreja a caminho, viajante, ao encontro de quem está longe.
Do abraço à criança miraculada ao lenço branco na mão, para o Adeus à imagem de Nossa Senhora, muitas serão as imagens que ficam na história da sexta visita de um Papa à Cova da Iria. O certo é que o centenário encerra um ciclo próprio na dinâmica do Santuário e desafia a Igreja Católica em Portugal a olhar para o futuro, para o novo centenário que agora começa, procurando novas formas de transmitir a mensagem ali deixada, evitando que Fátima seja manipulável por interesses comerciais, da indústria do entretenimento ou de um certo sincretismo religioso.
Por ser igual a si próprio, Francisco deixou em Fátima um apelo à recuperação da essencialidade da proposta católica na Cova da Iria, depurando-a de todos os elementos que não são próprios de um santuário nem da devoção mariana. Um desafio para todos na Igreja Católica em Portugal, para que Fátima não seja um lugar onde se espera, mas do qual se parte, ao encontro de todos, em particular “dos que mais precisarem”, como ali se ensina.