Um Papa em missão

Viagem à Alemanha confirmou estilo próprio e prioridades para o pontificado A viagem de Bento XVI à Alemanha, que hoje se concluiu, confirmou um novo estilo de pontificado, com prioridades bem definidas no que diz respeito à missão de líder e referência espiritual de mais de mil milhões de católicos em todo o mundo. Debaixo dos holofotes da opinião pública desde a sua eleição, em Abril de 2005, o Papa Ratzinger tem sabido ultrapassar a desconfiança e antipatia que alguns sectores, dentro e fora de Igreja, sentiam em relação à sua pessoa. Mais do que debitar sentenças morais ou doutrinais, Bento XVI tem centrado a sua acção e os seus discursos numa pregação nos fundamentos mais básicos da fé cristã sobre Deus, o mundo e o ser humano, numa linguagem simples, clara e, por isso mesmo, profunda. Ao longo destes dias, a Agência ECCLESIA foi apresentando as principais intervenções do Papa, marcadas pela preocupação em colocar Deus no centro da vida das pessoas, em plena crise religiosa no Ocidente, “surdo” ao divino e submerso pelas ondas do relativismo, do laicismo e do secularismo. Embora seja evidente que um líder espiritual tenha de falar destes temas, as intervenções de Bento XVI suscitaram reacções fortes e muito diversas na imprensa, mais habituada a ver neste homem um “combatente”, preferindo colocá-lo “contra” alguém do que reconhecer o seu esforço de síntese. Quando desafiou os católicos a apresentarem ao mundo, de forma clara, o Deus em que acreditam, o Papa sabia que essa fé tinha de diferenciá-los de outros crentes, pelo que não estranha que tenha falado do que separa o Catolicismo do Islão. A “aula” sobre esta matéria poderá ter surpreendido, mas esteve longe de querer “atacar” fosse quem fosse: a referência às diversas culturas religiosas do mundo entra numa linha de abrangência, não de conflito, porque o Papa conhece o mundo em que vivem os fiéis e sabe que nem todos assistem com satisfação às mudanças no Ocidente, sentindo-se mesmo ameaçados por elas. O esforço de fundo em mostrar que é conciliável ter fé e, ao mesmo tempo, fazer uma busca racional de Deus também deve ser entendida à luz desta linha conciliadora – que incluiu um encontro com representantes do mundo da ciência. Deus está no centro, mesmo quando as respostas se procuram longe dele. Aos cristãos de outras confissões, Bento XVI reafirmou o seu compromisso ecuménico, mas na terra da Reforma foi com os ortodoxos que ficou a impressão de esse caminho de unidade estar mais próximo. A confirmar nos próximos meses. A viagem à Baviera natal não poderia deixar de ter, por outro lado, um cunho pessoal e mais sentimental; Bento XVI não teve pejo em mostrar-se emocionado e evocar as pessoas que mais o marcaram na fase da sua vida em que ali viveu. Esta faceta mais privada do Papa ajuda, de certa forma, a atenuar a imagem de teólogo duro e implacável que o tem acompanhado. Em síntese, nunca como nesta viagem foi Bento XVI, o Papa “professor”, tão igual a si mesmo, firme e determinado, consciente do que é prioritário para a sua missão e para a vida da Igreja, numa sociedade em mudança e que precisa das respostas que os católicos teimam, muitas vezes, em guardar para si.

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