Jorge Teixeira da Cunha, Diocese do Porto
A eleição de Leão XIV foi uma agradável surpresa. As primeiras impressões não podem ser melhores: olhar limpo, concisão verbal, verticalidade frente à multidão. Uma presença despojada que falou por si, uma fibra desprovida de adiposidade e de estados de alma. Uma serena aceitação do serviço de Pedro e, para já, mais nada. O porvir nos mostrará melhor quem é o Papa Leão. A eleição demonstra, mais uma vez, que a Igreja tem reservas de vitalidade e de diversidade, apesar de algum esvaziamento da qualidade dos seus servidores de topo. Há menos por onde escolher, tanto nas dioceses, como nos serviços centrais da Igreja.
Alguns dados revelam-se interessantes, à partida. O Cardeal Prevost nasceu nos Estados Unidos da América, mas trabalhou no Peru. Viveu, por isso, dois dos mais importantes contextos do catolicismo de hoje: a vitalidade saturada da América do Norte e a vitalidade da América do Sul, baseada na religiosidade popular, com tudo o que isso significa de virtualidade e de carência. A formação do nosso Papa na espiritualidade agostiniana decerto também condicionará o seu modo de pastorear a Igreja. A demorada meditação sobre o abismo do espírito humano costuma levar a um certo pessimismo, à desconfiança na razão e à insistência na necessidade da fé para o renascimento do ser humano e para a fundação da moral.
Muito se tem escrito sobre a escolha do nome pelo nosso Papa. Tenha isso o valor que tiver, na base dessa escolha, podemos esperar um certo estilo e prever algumas insistências para os próximos anos. Desde logo, a analogia com o Papa Leão XIII e o voltar da nossa atenção para a questão social como esta se apresenta na atualidade. Revoluções industriais, costuma falar de umas quatro, sendo que a última é a que se refere ao desenvolvimento da inteligência artificial. Ora esta última tem imensas virtualidades, pois nos livrará de muito do esforço que o trabalho produtivo tem exigido à humanidade: a máquina inteligente desempenhará as tarefas que ontem foram servis. Porém, a inteligência, que melhora a máquina, acumula uma quantidade de dados de conhecimento que tendem a ganhar uma certa autonomia e a manipular-nos nas nossas decisões. Por isso, se o Papa Leão XIV tiver como propósito enfrentar pastoralmente esta situação de forma séria será uma grande opção. A Igreja, enquanto perita em espiritualidade e personalismo tem um contributo decisivo a dar para manter os seres humanos como senhores das máquinas inteligentes e para propor novas formas de distribuição da riqueza que a nova tecnologia tende a concentrar na mão dos poucos que detêm as fontes do conhecimento.
Mas, se nos é permitido jogar com o nome do nosso Papa Leão XIV, ainda vamos recordar mais dois ou três contextos para os quais o nome nos encaminha. Seria muito útil que ele também continuasse a linha de Leão Magno (morto em 461), esse que enfrentou Átila às portas de Roma: ora esta faceta seria muito útil para enfrentar as derivas populistas de hoje, tanto de direita como de esquerda, que estão a pôr em causa a nossa convivência democrática. Por nós, também gostaríamos que ele continuasse a linha de Leão X, um papa do Renascimento, que investiu fortemente no humanismo e nas artes. Isto porque a nossa Igreja anda muito carenciada em relação à estética e à sua missão de promover a criação artística como forma de dar a viver o mistério cristão.
Enfim, há outro Leão que, sem ofensa, gostávamos que inspirasse o nosso Papa. É a figura crística de Aslam, o leão das Crónicas de Nárnia, da autoria de C. S. Lewis. Esta personagem anda ligada a um inverno duro que é figura da Europa em guerra e aponta para a sua superação, pelo menos na fantasia das crianças, que são quem primeiro reconhece os sinais do Reino.