Capelão Bruno Espínola, Diocese das Forças Armadas e Forças de Segurança
Na mensagem de S.S. Papa Francisco para a Dia Mundial das Missões de 2022, é-nos partilhado o seguinte dos Atos dos Apóstolos: “Recebereis a força do Espírito Santo que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, por toda Judeia e Samaria e até aos confins do Mundo.”
Quando Sua Excelência Reverendíssima, Senhor Dom Rui Valério, bispo das Forças Armadas e das Forças de Segurança, me lançou este desafio de acompanhar durante um mês, por ocasião das festas do Natal, os nossos militares portugueses da 12ª Quick Reaction Force na Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização da República Centro-Africana (QRF-MINUSCA), embora me tenham surgido alguns receios e preocupações, nomeadamente as familiares e sobretudo as pastorais, dado que sou pároco de duas comunidades, Relva e Covoada na Ilha de São Miguel, recusar seria negar o próprio o Espírito de Deus, que nos impele a esta saída missionária de que tanto o nosso Papa nos exorta, contando que nem tudo depende de nós, mas da força do Espírito e da Providência Divina.
Depois de duas semanas no Regimento de Infantaria Nº15, em Tomar, em aprontamento sanitário e cumprir todos os requisitos necessários, parti rumo à República Centro Africana no dia 3 de dezembro.
Encontrei pela frente 215 militares, a 12ª QRF-MINUSCA na RCA, a minha nova comunidade, com quem iria celebrar o Natal. Não conhecia ninguém, mas este passo imperativo lançou-me ao encontro. O comandante da 12ª QRF, Tcor Nuno Neto, facilitou-me o trabalho, sou-lhe muito grato, abriu as portas da sua casa, e fez dela também a minha. A sua boa vontade permitiu-me a proximidade com muitos destes homens e mulheres que servem a humanidade num país quase esquecido pelo resto do mundo.
Senti o verdadeiro peso e responsabilidade da missão quando, depois de alojado, vesti a minha farda e calcei as minhas botas. Não vestiria outra coisa até à partida. A farda ajuda-nos a ser um com os outros e consequentemente um todo!
Foram possíveis várias celebrações como no dia 8 de dezembro, a cada domingo, missa da noite e do dia de Natal e missa do final de Ano. Para a celebrações conseguimos um coro de apoio com a colaboração do 1º sargento Nuno Moreira que é músico. Embora, a eucaristia seja ponto de partida e meta de chegada, o que poderia eu mais fazer no percurso desta caminhada.
Sem querer invadir ou perturbar o espaço do outro, a minha presença tinha de ser proposta. À medida que a poeira do solo africano se ia apoderando das nossas botas, os encontros iam surgindo, conversas que num repente nos levavam a entrar na esfera do mistério de Deus, em questões da própria igreja enquanto instituição e, por outro lado, começaram a surgir aqueles momentos que também nos sabem bem: um militar conhece ou é amigo de outro militar que também é nosso conhecido ou amigo.
Um dos tesouros que encontrei, foi poder estar à escuta de histórias e experiências destes homens e mulheres de uma vasta formação, sentido de serviço e abnegação ao ponto de prescindirem do conforto familiar, dos amigos, do seu cantinho e da sua terra, sobretudo nesta época em que os sentimentos nos vêm à flor da pele. Por isso, também ambiente propício ao anúncio deste Deus que se faz pequenino e que em nós, a cada ano, renova o seu nascimento. Ouvi muitas vezes: ser militar é saber contar com o imprevisível, e estar sempre pronto, para que nunca por vencidos se conheçam, servir onde quer que seja, garantindo a paz ou a estabilidade de um povo.
Outra experiência muito enriquecedora foi o contacto com a população local. O primeiro encontro foi com o arcebispo de Bangui, cardeal Dieudonné Nzapalainga, que me recebeu a mim e ao comandante da Força Nacional Destacada (FND) presente na República Centro Africana entregando uma cruz, símbolo da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que se vai realizar em Lisboa, em agosto de 2023. A entrega da cruz pretendeu ser “sinal da comunhão entre a diocese castrense e a diocese de Bangui”. Num outro momento, tivemos oportunidade de visitar uma escola e orfanato na cidade de Bangui, bem como a uma aldeia com famílias de acolhimento de crianças órfãos, o que nos permitiu conhecer um pouco da realidade e necessidades locais. Entre outras saídas, destaco, ainda, a celebração da Eucaristia na Nunciatura Apostólica e o encontro com secretário desta nunciatura, Sac. Frantisek Stanek, dado que o núncio apostólico ainda estava em nomeação.
Partilhei muitas vezes este pensamento: a minha preocupação tinha que ver com o que teria eu para dar a esta gente, verdade que não me pude demitir dessa missão, no entanto, tenho consciência e nenhum problema em admitir, recebi muito mais do que aquilo que tinha para dar. É uma experiência que levo, com pessoas que guardo para a vida.
Sou grato a todos os que proporcionaram esta missão, aos militares e amigos portugueses que ganhei em solo africano. Um mês passou tão rápido e a partida custou.
Ponta Delgada, Epifania do Senhor, 8 de janeiro de 2023
Capelão Bruno Espínola
Zona Militar dos Açores