Um lugar para a Eucaristia (V)

A importância e o lugar da arte Socorremo-nos de reflexões do Cardeal Ratzinger (agora Papa Bento XVI), publicadas em “Introdução ao espírito da Liturgia”, das edições Paulinas (2001), com uma ou outra adaptação da tradução. Situamo-nos no capítulo primeiro da terceira parte, dedicada à Liturgia e Arte. Embora, centrado na questão das imagens, importa salientar que estas se reflectem, na arquitectura, escultura, pintura e música (que é especialmente tratada no capítulo II) e noutras artes. O título faz lembrar a publicação de Guardini, de 1918, várias vezes reeditada e que constitui, ainda hoje, um verdadeiro clássico da Teologia Litúrgica. Passado quase um século voltamos a uma reflexão essencial sobre “a Liturgia como centro inspirador da Igreja e da vida cristã na sua beleza, riqueza oculta e grandeza que transcende o tempo”. “A isenção de imagens não é compatível com a Incarnação de Deus. Deus entrou no mundo dos nossos sentidos, a fim de se tornar transparente em relação a ele. As imagens do belo, que tornam visível o mistério de Deus invisível, fazem parte do culto cristão. É certo que no vaivém dos tempos sempre haverá também alturas de relativa escassez de imagens. Contudo, elas nunca podem desaparecer por completo. A iconoclasia não é uma opção cristã. A arte sacra encontra os seus conteúdos nas imagens da História da Salvação, começando com a Criação e continuando pelo primeiro até ao oitavo dia – o dia da ressurreição e o dia do regresso, em que a linha da história se consome no círculo. A ela pertencem sobretudo as imagens da História Bíblica, mas também a História dos Santos, como um desenrolar da História de Jesus Cristo, como o retorno da fertilidade do grão de trigo ao longo da história… As imagens da História de Deus com os homens não demonstram apenas uma sucessão de acontecimentos passados, mas revelam a unidade interior dos actos de Deus. Remetem para o sacramento – sobretudo o Baptismo e a Eucaristia – ao qual se encontram intimamente ligadas, sendo assim uma referência para o futuro; são interiormente coerentes com os ritos celebrativos… O centro da imagem de Cristo é o mistério Pascha: Cristo é representado como o crucificado, o ressuscitado, o que há-de vir, como rei ainda oculto. Todas as imagens de Cristo devem incluir esses três aspectos do mistério de Cristo; por outras palavras, devem ser imagens da Páscoa. É evidente que pode haver várias acentuações: a imagem pode realçar a cruz ou a paixão e nela a aflição dos nossos dias, como pode fazer ressaltar a ressurreição ou retorno. Uma imagem da cruz que não faça transluzir a Páscoa é tão falhada como uma imagem da Páscoa que se tenha esquecido das chagas como presença do tormento… As imagens de Cristo e dos Santos não são fotografias. A sua natureza é conduzir para lá do que apenas se consegue ver ao nível material, despertando os sentidos interiores e educando um novo olhar, capaz de distinguir o invisível dentro do visível. A sacralidade da imagem… deve ser fruto de uma contemplação interior, de um encontro da Fé com a nova realidade do ressuscitado que gera o olhar interior e leva à oração, ao encontro com o Senhor… A Igreja do Ocidente não precisa de negar o caminho específico que tem percorrido desde meados do século XIII. Contudo deve chegar a compreender o essencial do sétimo Concílio Ecuménico, o segundo de Niceia, que formulou o significado fundamental do lugar da imagem dentro da Igreja… Porém, deveria considerar como normativas as linhas fundamentais da Teologia das imagens na Igreja. É certo que não pode haver normas fixas; tanto as experiências religiosas como as intuições novas devem encontrar o seu lugar dentro da Igreja… Na Arte sacra não pode haver apenas o “à vontade”: formas de arte que desmentem o Logos… prendendo o Homem às aparências sensoriais, não são compatíveis com o significado da imagem na Igreja. Na subjectividade isolada não pode crescer nenhuma Arte sacra… A Arte sacra encontra-se sob o imperativo da segunda carta aos Coríntios: «Olhando o Senhor como num espelho, somos transformados de glória em glória, nessa mesma imagem, pela acção do Espírito do Senhor» (3, 18). O que significa isso tudo na prática? A Arte não pode ser «produzida», como se tratasse de uma encomenda… Ela é sempre um dom. Não se pode conceber a inspiração, ela deve ser recebida – gratuitamente… Pressupõe, sobretudo, o dom do olhar novo. Por isso, deveríamos fazer o maior esforço possível para alcançar uma Fé que fosse contemplativa. Onde exista, a arte encontrará também a expressão certa”. Secretarido Diocesano de Liturgia do Porto

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Agência ECCLESIA

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