Um lugar para a Eucaristia (III)

“O que aconteceu em terras de antiga cristianização no âmbito da arte sacra e da disciplina litúrgica, está a verificar-se também nos continentes onde o cristianismo é mais jovem. Tal é a orientação assumida pelo Concílio Vaticano II a propósito da exigência duma sã e necessária «inculturação». Nas minhas numerosas viagens pastorais, pude observar por todo o lado a grande vitalidade de que é capaz a celebração eucarística em contacto com as formas, os estilos e as sensibilidades das diversas culturas. Adaptando-se a condições variáveis de tempo e espaço, a Eucaristia oferece alimento não só aos indivíduos, mas ainda aos próprios povos, e plasma culturas de inspiração cristã. Mas é necessário que tão importante trabalho de adaptação seja realizado na consciência constante deste mistério inefável, com que cada geração é chamada a encontrar-se. O «tesouro» é demasiado grande e precioso para se correr o risco de o empobrecer ou prejudicar com experimentações ou práticas introduzidas sem uma cuidadosa verificação pelas competentes autoridades eclesiásticas. Além disso, a centralidade do mistério eucarístico requer que tal verificação seja feita em estreita relação com a Santa Sé. Como escrevia na exortação apostólica pós-sinodal Ecclesia in Asia, «tal colaboração é essencial porque a Liturgia Sagrada exprime e celebra a única fé professada por todos e, sendo herança de toda a Igreja, não pode ser determinada pelas Igreja locais isoladamente da Igreja universal». (101)”. (Ecclesia de Eucharistia = EE, 51) Para explicar o conceito de inculturação (incarnação numa cultura), diferente de aculturação, um procedimento, por vezes, manifesto numa espécie de importação / exportação cultural ou sincretismo cultural (ou nem isso, isto é, de pretensas e falsas expressões culturais), o Cardeal Poupard, num discurso à Assembleia Plenária do Conselho Pontifício para a Cultura, em 2002, referia: “O encontro da fé e da cultura pode, por vezes, assemelhar-se, sobre certos aspectos, ao de David e Golias, em que, tanto um como outro, se desafiam mutuamente, mas com armas muito diferentes. A particularidade da mensagem cristã ultrapassa a especificidade das culturas e a linguagem da Igreja não pode deixar-se encerrar na de uma cultura concreta. O que a Igreja tem missão de transmitir não é um livro do passado, mas o Livro da vida, cujo autor é sempre vivo e continua a escrever esta única palavra de vida nas diversas culturas dos povos. Esta obra do Espírito realiza-se mediante a Igreja, semper purificanda, atenta à salvaguarda da universalidade da mensagem de Cristo, tornando-a audível a todos os povos de todas as culturas do mundo. Fazendo-o, opera um discernimento salvífico em favor as culturas, rejeitando tudo o que nelas é deficiente em humanidade.” “De quanto fica dito – continua João Paulo II – compreende-se a grande responsabilidade que têm sobretudo os sacerdotes na celebração eucarística, à qual presidem in persona Christi, assegurando um testemunho e um serviço de comunhão não só à comunidade que participa directamente na celebração, mas também à Igreja universal, sempre mencionada na Eucaristia. Temos a lamentar, infelizmente, que sobretudo a partir dos anos da reforma litúrgica pós-conciliar, por um ambíguo sentido de criatividade e adaptação, não faltaram abusos, que foram motivo de sofrimento para muitos. Uma certa reacção contra o «formalismo» levou alguns, especialmente em determinadas regiões, a considerarem não obrigatórias as «formas» escolhidas pela grande tradição litúrgica da Igreja e do seu magistério e a introduzirem inovações não autorizadas e muitas vezes completamente impróprias. Por isso, sinto o dever de fazer um veemente apelo para que as normas litúrgicas sejam observadas, com grande fidelidade, na celebração eucarística. Constituem uma expressão concreta da autêntica eclesialidade da Eucaristia; tal é o seu sentido mais profundo. A liturgia nunca é propriedade privada de alguém, nem do celebrante, nem da comunidade onde são celebrados os santos mistérios. O apóstolo Paulo teve de dirigir palavras àsperas à comunidade de Corinto pelas falhas graves na sua celebração eucarística, que tinham dado origem a divisões (skísmata) e à formação de facções (‘airéseis) (cf. 1 Cor 11, 17-34). Actualmente também deveria ser redescoberta e valorizada a obediência às normas litúrgicas como reflexo e testemunho da Igreja, una e universal, que se torna presente em cada celebração da Eucaristia. O sacerdote, que celebra fielmente a Missa segundo as normas litúrgicas, e a comunidade, que às mesmas adere, demonstram de modo silencioso mas expressivo o seu amor à Igreja…. A ninguém é permitido aviltar este mistério que está confiado às nossas mãos: é demasiado grande para que alguém possa permitir-se de tratá-lo a seu livre arbítrio, não respeitando o seu carácter sagrado nem a sua dimensão universal”. (EE, 52) Secretariado Diocesano de Liturgia do Porto

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