Um lugar para a Eucaristia

“Quando Cristo Senhor estava para celebrar com os discípulos a ceia pascal, na qual instituiu o sacrifício do seu Corpo e Sangue, mandou preparar uma grande sala mobilada (Lc 22, 12). A Igreja sempre entendeu que esta ordem lhe dizia respeito e, por isso, foi estabelecendo normas para a celebração da santíssima Eucaristia, no que se refere às disposições da alma, aos lugares, aos ritos, aos textos…” (Instrução Geral do Missal Romano [4 de Dezembro de 2003], 1). Em 17 de Abril de 2003, o Papa João Paulo II, publicara a Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, no Ano do Rosário que precedeu o Ano da Eucaristia e a primeira Encíclica do Papa Bento XVI, “Deus, caritas est”. Deste modo se vê uma continuidade e aprofundamento do Magistério da Igreja, implicando a praxis cristã. Ao apreço que os fiéis e a Igreja sempre deram e continuam a dar à Eucaristia deverão corresponder formas adequadas de a celebrar. Por isso, importa relembrar a solicitude que a Igreja sempre teve pelos lugares, pelos gestos e atitudes, pelos objectos e pelas artes. Esta pequena série de reflexões porão em evidência o que é dito na Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia ([EE], capítulo V). “Quando alguém lê o relato da instituição da Eucaristia nos Evangelhos Sinópticos, fica admirado ao ver a simplicidade e simultaneamente a dignidade com que Jesus, na noite da Última Ceia, institui este grande sacramento. Há um episódio que, de certo modo, lhe serve de prelúdio: é a unção de Betânia. Uma mulher, que João identifica como sendo Maria, irmã de Lázaro, derrama sobre a cabeça de Jesus um vaso de perfume precioso, suscitando nos discípulos – particularmente em Judas (Mt 26, 8; Mc 14, 4; Jo 12, 4) – uma reacção de protesto contra tal gesto que, em face das necessidades dos pobres, constituía um «desperdício» intolerável. Mas Jesus faz uma avaliação muito diferente: sem nada tirar ao dever da caridade para com os necessitados, aos quais sempre se hão-de dedicar os discípulos – «Pobres, sempre os tereis convosco» (Jo 12, 8; cf. Mt 26, 11; Mc 14, 7) –, Ele pensa no momento já próximo da sua morte e sepultura, considerando a unção que Lhe foi feita como uma antecipação daquelas honras de que continuará a ser digno o seu corpo mesmo depois da morte, porque indissoluvelmente ligado ao mistério da sua pessoa. “Nos Evangelhos Sinópticos, a narração continua com o encargo dado por Jesus aos discípulos para fazerem uma cuidadosa preparação da «grande sala», necessária para comer a ceia pascal (cf. Mc 14, 15; Lc 22, 12), e com a descrição da instituição da Eucaristia. Deixando entrever, pelo menos em parte, o desenrolar dos ritos hebraicos da ceia pascal até ao canto do «Hallel» (cf. Mt 26, 30; Mc 14, 26), o relato, de maneira tão concisa como solene, embora com variantes nas diversas tradições, refere as palavras pronunciadas por Cristo sobre o pão e sobre o vinho, assumidos por Ele como expressões concretas do seu corpo entregue e do seu sangue derramado. Todos estes particulares são recordados pelos evangelistas à luz duma prática, consolidada já na Igreja primitiva, da «fracção do pão». O certo é que, desde o tempo histórico de Jesus, no acontecimento de Quinta-feira Santa são visíveis os traços duma «sensibilidade» litúrgica, modulada sobre a tradição do Antigo Testamento e pronta a remodelar-se na celebração cristã em sintonia com o novo conteúdo da Páscoa (EE, 47). “Tal como a mulher da unção de Betânia, a Igreja não temeu «desperdiçar», investindo o melhor dos seus recursos para exprimir o seu enlevo e adoração diante do dom incomensurável da Eucaristia. À semelhança dos primeiros discípulos encarregados de preparar a «grande sala», ela sentiu-se impelida, ao longo dos séculos e no alternar-se das culturas, a celebrar a Eucaristia num ambiente digno de tão grande mistério. Foi sob o impulso das palavras e gestos de Jesus, desenvolvendo a herança ritual do judaísmo, que nasceu a liturgia cristã. Porventura haverá algo que seja capaz de exprimir de forma devida o acolhimento do dom que o Esposo divino continuamente faz de Si mesmo à Igreja-Esposa, colocando ao alcance das sucessivas gerações de crentes o sacrifício que ofereceu uma vez por todas na cruz e tornando-Se alimento para todos os fiéis? Se a ideia do «banquete» inspira familiaridade, a Igreja nunca cedeu à tentação de banalizar esta «intimidade» com o seu Esposo, recordando-se que Ele é também o seu Senhor e que, embora «banquete», permanece sempre um banquete sacrificial, assinalado com o sangue derramado no Gólgota. O Banquete eucarístico é verdadeiramente banquete «sagrado», onde, na simplicidade dos sinais, se esconde o abismo da santidade de Deus…” (EE, 48). A tentação do acessível, identificado com o medíocre, é constante, sobretudo em mentalidades consumistas. Secretariado Diocesano de Liturgia do Porto

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Agência ECCLESIA

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