Um homem de cultura, de fé e da universidade

O percurso do Pe. Fernando Cristóvão Um homem do mundo da cultura que exerce o seu trabalho de pastoral sobretudo na universidade. O Pe. Fernando Cristóvão foi condecorado no dia 10 de Junho pelo Presidente da República pelo seu trabalho na área da cultura. É professor catedrático da Universidade Clássica. Desde cedo reservou a sua vida de sacerdote para as academias, para as bibliotecas e na defesa da língua portuguesa. Quando foi ordenhado sacerdote, aos 23 anos, o Cardeal Cerejeira mandou-o para a direcção do Colégio, ainda antes de ser construído. Esteve nove anos no Seminário de Almada de onde transitou para um Externato Manuel de Melo, no Barreiro. Foi então enviado para a Universidade, local onde realizou a sua licenciatura em Românicas, a par da actividade enquanto professor do Seminário e de outras actividades que mantinha.Quando estava na universidade foi nomeado para o Instituto e Cultura de Língua Portuguesa, hoje Instituto Camões, onde desenvolveu um trabalho na defesa da política da língua portuguesa, como o próprio afirma. “A experiência no ICLP foi essencial para mim enquanto ser humano mas também enquanto sacerdote”, afirma o Pe. Fernando Cristóvão ao Programa ECCLESIA. O contacto com outras culturas ajudou a perceber o fenómeno moderno do multiculturalismo que, afirma ter ganho “graves implicações dentro da fé cristã”. Sobre a edição do «Dicionário Temático da Lusofonia» o professor afirma haver um grande equívoco quando se fala de lusofonia. “A economia, a tecnologia, a religião, que é um dos elementos fortes da lusofonia, são factores fundamentais, mas a língua é o factor de união”, considera. “É certo que Lusofonia não é só língua, mas sem ela não se chega a lado nenhum e atrás da língua vem o problema das culturas e das afinidades”. Um sacerdote na universidade O ministério sacerdotal ligado à Universidade pode ser exercido de diversas formas: na assistência espiritual à JUC, por exemplo, que é especializada. O Pe. Fernando Cristóvão explica que há um problema grave pois “é no domínio da ciência e da investigação científica que nós trabalhamos”. O sacerdote relembra uma expressão de João Paulo II que diz ser preciso inculturar a fé na cultura e a cultura na fé. “Ele afirma que há dois caminhos para chegar ao mesmo objectivo. Um deles é a proclamação explícita, directa e sistemática, do ponto de vista eclesial do testemunho cristão. O outro é muito diferente pois indica o trabalhar a cultura, tornar possível que a cultura forme o homem, para que seja verdadeiramente culto e que o capacite para fazer uma escolha”. Quando o Papa diz “passar de uma cultura à fé” significa “preparar os elementos porque uma mente culturalmente aberta tem mais condições tanto para optar como para recusar”, sublinha. “Significa que há dois caminhos para levar a pessoa a amar a fé directamente e a pô-lo em condições de fazer escolhas”. Essa é a missão que abraça. Afirma não ser fácil, “que muitos não compreendem até mesmo dentro da Igreja, mas devagarinho chega-se lá”. A evangelização da cultura tem de entrar nas prioridades da Igreja Católica. Em Portugal, de acordo com as estatísticas até europeias, recorda o professor catedrático, “quase 90% da população afirma-se católica e no entanto, as outras estatísticas apontam para os 30% que vão à missa. E daqui surge a terminologia dos «praticantes e dos não praticantes» que levanta uma incongruência”. “Existe uma pastoral muito bem organizada para 20%, mas quem é que se preocupa com os outros 70%? Todos sabem que os 70% continuam a dizer teimosamente que são católicos, quando agora muitas vezes é motivo de descriminação. O que se faz a esta gente? E os 70% que têm uma vivência cristã quando nascem, no baptismo, no casamento, quando os filhos fazem a primeira comunhão, na doença e depois nos funerais? Mas não há uma verdadeira pastoral organizada para isto. Há actos pontuais”, aponta. “Os novos tempos criam novas necessidades e novas iniciativas, mas penso que uma iniciativa importante seria reunir os padres que estão no ensino, nas forças armadas e pensar que pastoral para eles”, indica. E aponta ainda outro problema. “Considero que em Portugal os leigos estão na menor idade”. Colaboram nas paróquias “e assim devem continuar, mas pergunto: perante esta laicização meio jacobina, pois há um laicismo que se quer transformar numa nova religião do Estado, mas não há organizações que, sem recorrer a «bandeirinhas» façam valer e mostrar os seus valores onde a sua fé irá transparecer”. O Pe. Fernando Cristóvão sublinha a diferença entre as manifestações de fé “que ainda bem que existem e é preciso fazê-las publicamente mas outra coisa é que a fé não se exibe, mas não se esconde. Onde estão os jornalistas, os deputados que são católicos e que não puxam de estandartes invocando a sua religião mas profissionalmente defendam e se manifestem. Trata-se de coerência científica”. Por isso afirma que as novas gerações já são naturalmente pagãs porque o conhecimento não passa, quando através da História de Portugal “se ensinavam coisas importantes não se tratando de uma questão religiosa”. A evangelização na universidade é uma prioridade por si traçada. As mudanças clericais são outro assunto abordado pelo professor catedrático. “As paróquias precisam de clero, mas uma coisa é a paróquia territorial outra coisa é aquilo que eu chamo de «paróquia virtual». É muito importante que os padres estejam também voltados para o ensino das várias áreas científicas e está a diminuir bastante, com grande prejuízo”. Homenagem Foi realizado um conjunto de estudos, em homenagem ao Pe. Fernando Cristóvão, pelos colegas da Universidade e amigos, resultando no livro “Homo Viatur”. A somar à condecoração no dia 10 de Junho pelo Presidente da República o professor aforma ser “sempre agradável ver que os outros percebem um pouco o trabalho que realizamos”. Recusa a retórica para afirmar que o livro é “um produto de um trabalho que equipas. Essa é uma grande felicidade na minha vida. Em todos os lugares por onde passei tive a sorte de arranjar equipas extraordinárias”. Sublinha ser uma homenagem à equipa do Dicionário que foi “uma obra de «loucos» onde participaram mais de 300 pessoas, reunindo cerca de 30 universidade e Institutos de Ensino Superior em vários pontos do mundo”. Cultura e Igreja “Não há receitas para que a Igreja se faça mais presente no mundo cultural”, pois o caminho “passa antes pela presença”. “Há quem aponte a necessidade de um Concílio, opinião que eu partilho, porque o mundo de agora é muito diferente”. Mas o professor desejaria um Concílio ecuménico, “à semelhança do que acontecia antigamente, englobando protestantes, ortodoxos. Possivelmente só se aprovariam duas ou três bases mas a força que daí advinha seria grande”, pois conclui que as culturas estão misturadas mas “há um choque e há muitos problemas daqui derivados”. Relembra o problema do relativismo cultural “que Bento XVI sempre alerta” e da incapacidade de escolha, por isso afirma “a cultura tem de avançar em outros moldes”.

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Agência ECCLESIA

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