Um guia social em 79 pontos

Bento XVI apresentou neste dia 7 de Julho a sua terceira encíclica, "Caritas in Veritate" (A caridade na verdade), um texto de 79 pontos, em que se mostra a um mundo ainda abalado pela crise financeira um conjunto de orientações para o mundo económico e exigências de solidariedade. Lembrar os pobres e os mais desprotegidos no tempo da globalização é o fio condutor do documento, que procura apresentar caminhos para o "verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e de toda a humanidade".

O Papa repete a palavra "caridade", que dava o mote à sua primeira encíclica abordando desta feita matérias ligadas ao mundo do trabalho, da economia e do desenvolvimento. Na abertura da encílica refere-se que há um contexto social e cultural que "relativiza a verdade" e provoca um "esvaziamento" da caridade, o que pode fazer com que "a actividade social acabe à mercê de interesses privados e lógicas de poder".

Justiça e bem comum são apresentados como critérios orientadores para o agir, também dos cristãos, embora Bento XVI reafirme que a Igreja não tem soluções técnicas para apresentar, mas "uma missão de verdade para cumprir". "Quando o empenho pelo bem comum é animado pela caridade, tem uma valência superior à do empenho simplesmente secular e político", pode ler-se.

Alertas e preocupações

O I Capítulo é dedicado à encílica "Populorum Progressio" (1967), de Paulo VI, retomando "os seus ensinamentos sobre o desenvolvimento humano integral" e pedindo um "verdadeiro humanismo", aberto ao "Absoluto".

"Deus é o garante do verdadeiro desenvolvimento do homem", escreve.

Neste contexto, é dito que a Igreja tem um papel público a cumprir, "sem olhar a privilégios nem posições de poder", e propõe-se uma "ligação entre ética de vida e ética social", comprometendo cada pessoa "a fim de fazer avançar os actuais processos económicos e sociais para metas plenamente humanas".

A falta de fraternidade entre homens e povos é uma das preocupações apresentadas: "A sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos".

O capítulo II aborda a questão do desenvolvimento no nosso tempo, começando com um alerta de Bento XVI: "O lucro é útil se, como meio, for orientado para um fim que lhe indique o sentido e o modo como o produzir e utilizar".

"As forças técnicas em campo, as inter-relações a nível mundial, os efeitos deletérios sobre a economia real duma actividade financeira mal utilizada e maioritariamente especulativa, os imponentes fluxos migratórios, com frequência provocados e depois não geridos adequadamente, a exploração desregrada dos recursos da terra, induzem-nos hoje a reflectir sobre as medidas necessárias para dar solução a problemas que são não apenas novos relativamente aos enfrentados pelo Papa Paulo VI, mas também e sobretudo com impacto decisivo no bem presente e futuro da humanidade", indica.

No contexto da crise, surgiu uma renovada avaliação do "papel e poder" dos Estados, com o Papa a pedir "novas formas de participação" na vida política nacional e internacional.

A luta contra a fome merece uma chamada de atenção: "É necessária a maturação duma consciência solidária que considere a alimentação e o acesso à água como direitos universais de todos os seres humanos, sem distinções nem discriminações", observa.

Aborto, eutanásia e violações à liberdade religiosa são outras preocupações apresentadas, a que se juntam o "terrorismo de índole fundamentalista, que gera sofrimento, devastação e morte, bloqueia o diálogo entre as nações e desvia grandes recursos do seu uso pacífico e civil".

Crise

O Papa admite que "as grandes novidades, que o quadro actual do desenvolvimento dos povos apresenta, exigem em muitos casos novas soluções", considerando como prioritário "o objectivo do acesso ao trabalho".

Fraternidade, desenvolvimento económico e sociedade civil são o tema do Capítulo III, em que se alerta contra uma visão "meramente produtiva e utilarista da existência".

Regulação, legislação e redistribuição da riqueza são temas abordados num conjunto de reflexões em que se procura afastar a ideia de um mercado negativo por natureza e se fala da importância das "leis justas" nos Estados para a "civilização da economia".

Esta secção conclui-se com uma nova avaliação do fenómeno da globalização, visto como mais do que um mero processo socio-económico: "Não devemos ser vítimas dela, mas protagonistas, actuando com razoabilidade, guiados pela caridade e a verdade".

No Capítulo IV aparecem as questões direitos e deveres, da ecologia e da ética. Bento XVI fala de uma reivindicação do "supérfluo" qu contrasta com a falta de água e alimento em certas regiões subdesenvolvidas. O Papa afirma também que é "errado" considerar o aumento da população como "primeira causa de subdesenvolvimento", lembrando que a queda dos nascimentos "põe em crise os sistemas de assistência social".

"Nesta perspectiva, os Estados são chamados a instaurar políticas que promovam a centralidade e a integridade da família, fundada no matrimónio entre um homem e uma mulher, célula primeira e vital da sociedade", acrescenta a encíclica.

A colaboração da família humana está no centro do Capíutulo V, onde se lê que os cristãos apenas podem contribuir para o desenvolvimento "apenas se Deus encontrar lugar também na esfera pública". O Papa faz referência ao princípio da subsidariedade, como "antídoto" contra qualquer forma de "assistencialismo paternalista".

Um maior acesso à educação e um compromisso internacional contra fenómenos como o turismo sexual são indicações de Bento XVI para promover um desenvolvimento integral, em que se incluem ainda as novas dinâmicas das migrações, impossíveis de resolver "por um país, de forma isolada".

A reforma "urgente" da ONU e da actual arquitectura económica e financeira mundial levam o Papa a defender uma nova e verdadeira "autoridade política mundial".

O sexto e último capítulo é dedicado ao tema do desenvolvimento dos povos e da técnica, com aviso em relação à ideologias tecnocráticas. Neste contexto, é referido que "um campo primário e crucial da luta cultural entre o absolutismo da técnica e a responsabilidade moral do homem é o da bioética".

Na conclusão, Bento XVI dirige-se aos cristãos e indica que "o desenvolvimento implica atenção à vida espiritual, uma séria consideração das experiências de confiança em Deus, de fraternidade espiritual em Cristo, de entrega à providência e à misericórdia divina, de amor e de perdão, de renúncia a si mesmos, de acolhimento do próximo, de justiça e de paz".

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Agência ECCLESIA

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