Homilia de D. António Marto nas celebração das exéquias do Pe. Luis Kondor
Estamos aqui recolhidos para celebrar a Santa Missa de sufrágio e despedida pelo nosso querido irmão P. Luís Kondor, sacerdote da Congregação do Verbo Divino, radicado em Fátima há cinquenta e cinco anos, conhecido em toda a parte como Vice-Postulador da Causa da Canonização dos Pastorinhos.
Somos muitos hoje a viver este momento e esta experiência de fé. Nós, aqui presentes, e muitos outros de longe manifestaram as suas condolências à Congregação e à Diocese, declararam a sua estima, asseguraram a sua oração. Quero deixar aqui expresso o meu agradecimento à Congregação do Verbo Divino, aos médicos e a toda a equipa do secretariado da Vice-Postulação, que o assistiram com tanta dedicação na fase do seu sofrimento.
No sacramento do Corpo e Sangue do Senhor, que celebramos, está presente e unida a Cristo Sacerdote toda a vida e toda a missão do P. Kondor. Queremos assim confiá-lo ao Senhor, em grande acção de graças pelo dom do seu sacerdócio exercido ao longo de cinquenta e seis anos, deixando-nos iluminar pela Palavra de Deus.
1. Arauto da Mensagem de Graça e Misericórdia através do mundo
No Evangelho ouvimos o grande poema do Magnificat, que brotou dos lábios e do coração de Maria, inspirada pelo Espírito Santo.
Começa com a palavra Magnificat: a minha alma “engrandece” o Senhor, isto é, proclama a grandeza do Senhor. Maria deseja que Deus seja grande no mundo, grande na sua vida, presente e grande no meio de todos nós. Ela sabe que se Deus é grande, também nós somos grandes; Ele faz em nós maravilhas de graça. A nossa vida não é oprimida, mas antes elevada e dilatada: torna-se grande na beleza e grandeza do Amor, da Bondade e da Misericórdia de Deus. Só se Deus é grande, também o homem é grande!
Mas quando Deus é esquecido ou marginalizado, o homem não se torna mais grande. Ao contrário, perde o sentido da sua própria dignidade divina, perde o esplendor de Deus sobre o seu rosto e pode ser marginalizado, usado e abusado, ferido e oprimido na sua dignidade, como nos confirmam os mais trágicos acontecimentos do século XX e outros deste nosso tempo.
No poema do Magnificat, Maria, guardando e meditando os acontecimentos da própria existência, descobre neles, de modo cada vez mais profundo, o misterioso desígnio de Deus para a salvação do mundo. Proclama a Sua grande Misericórdia que se estende de geração em geração.
Nas Aparições em Fátima, Nossa Senhora fez ecoar, de novo, precisamente esta mensagem do Magnificat para a humanidade do século XX, em risco de afundar-se no abismo infernal da autodestruição, e para a Igreja ferozmente perseguida para ser aniquilada.
Foi esta beleza e grandeza da graça e da misericórdia de Deus que fascinou os pequenos videntes, os pastorinhos, e os atraiu para o caminho da santidade.
Foi esta mensagem que o P. Kondor, vindo do Leste, percebeu, com particular acuidade, na sua relevância e urgência para a Igreja, para o mundo e para a vida cristã. Por isso se tornou um dos grandes arautos da Mensagem, com uma íntima, profunda e total dedicação. Promoveu a sua difusão universal com a publicação das “Memórias da Irmã Lúcia” e do “Boletim dos Pastorinhos” em várias línguas e através das suas viagens a vários países.
Aos pastorinhos dedicou especial afecto, tomando a peito a causa da sua beatificação e canonização e difundindo a sua espiritualidade. Considerava a santidade dos pastorinhos como “um dos mais belos frutos da Mensagem de Fátima”.
O nosso caro P. Kondor fica indelevelmente ligado à história de Fátima. E Fátima, pela voz do seu bispo e pela vossa presença, exprime-lhe hoje, de modo particular, toda a sua imensa gratidão, na hora da despedida.
2. O Amor ao Coração Imaculado de Maria e à Igreja
A página do Apocalipse, que escutámos na primeira leitura, ilumina um outro aspecto da Mensagem de Fátima.
O vidente do livro do Apocalipse oferece à nossa meditação o drama da história, sob a figura simbólica da luta entre o dragão sanguinário e a mulher indefesa.
O dragão é a representação impressionante e inquietante de todos os poderes da violência do mundo. Parecem invencíveis! Mas a figura da “mulher vestida de sol e coroada de doze estrelas”, indefesa e vulnerável, que é a Igreja e que é Maria rodeada por toda a Igreja (simbolizada nas doze estrelas), diz-nos que esses poderes não são invencíveis. Porque a misericórdia de Deus é mais forte que o poder do mal, vence o amor e não o ódio; e por fim vence a paz. O que parece impossível aos homens é possível a Deus.
Também em Fátima, Nossa Senhora trouxe à humanidade em guerra e à Igreja esta mesma mensagem de conforto, de consolação e de esperança, com a linguagem do seu Coração Imaculado de Mãe que sente as dores dos filhos: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”! Como quem diz: tende coragem, tende confiança; no fim vencerão o Amor e a Paz!
Mas, ao mesmo tempo convida-nos a colaborar nesta tarefa através da “reparação” pelo(s) pecado(s) do mundo, através da oração, da adoração, da penitência. È um convite a entrar no Oceano do Amor divino como resistência e não capitulação à banalidade e fatalidade do mal; a assumir a nossa responsabilidade no serviço à vitória do amor, do bem e da paz; a transformar o mundo começando por nós mesmos.
Assim o entendeu o nosso caro P. Kondor, devoto profundo do Coração Imaculado de Maria. Para ele, a “reparação” constituía o núcleo da Mensagem da Senhora. Deixou pronto um livro sobre o tema, para publicação póstuma, onde escreve: “Consagração (ao Coração Imaculado de Maria), reparação e santificação são expressões que significam a mesma coisa e devem ser realizadas, necessariamente, em profunda comunhão e harmonia com a totalidade da pessoa humana”.
Era algo que ele mesmo vivia. Numa visita que lhe fiz na fase final da doença confidenciou-me: “Quero viver este sofrimento como oferta de reparação tal como os pastorinhos”. E numa outra vez perguntou-me: “que posso ainda fazer, assim, pela Diocese”? Ao que eu lhe respondi: “Ofereça o seu sofrimento pelo dom das vocações sacerdotais de que a Diocese tanto precisa”. “Sim, sim”, foi a sua resposta serena, como quem se sente em paz.
Até ao fim, manifestou o seu profundo amor pela Igreja. Neste momento, é nosso dever reconhecê-lo como um grande benfeitor da Diocese de Leiria-Fátima e da Igreja em Portugal. Com os seus vastos contactos internacionais conseguiu grandes ajudas para muitas dioceses, paróquias, seminários, mosteiros e causas sociais. A Igreja em Portugal fica-lhe muito grata e não o esquecerá.
3.Na companhia gozosa de Nossa Senhora e dos Pastorinhos
Finalmente, no texto da primeira Carta aos Coríntios, um grande mistério de amor é proposto à nossa contemplação: Cristo vence a morte com o seu amor! Só o amor nos faz entrar no Reino da Vida definitiva e plena. Recorda-nos que quem vive e morre no amor de Deus e do próximo será transfigurado à imagem do Corpo glorioso de Cristo ressuscitado.
Compreendemos que o nosso morrer não é o fim, mas o ingresso na Vida que não conhece mais a morte, nem o luto, nem a dor.
Com este olhar de fé e de esperança vemos agora o nosso P. Kondor: vivo para sempre no coração beatificante de Deus, na plena comunhão dos santos, contemplando e saboreando, na companhia gozosa de Nossa Senhora e dos pastorinhos, toda a beleza do Rosto e toda a riqueza do Amor misericordioso de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo!
D. António Marto, Bispo de Leiria-Fátima; 30 de Outubro de 2009