Um ano em Missão Jubilar

A Diocese de Aveiro celebrou ao longo dos últimos 12 meses uma Missão Jubilar que assinalou os 75 anos da sua restauração. Uma dinâmica que movimento as comunidades paroquiais e que deixou satisfeito o bispo diocesano, D. António Francisco dos Santos, que evoca ainda o seu antecessor, D. António Marcelino, falecido neste período.

Agência ECCLESIA (AE) – Que preocupação teve e tem esta Missão Jubilar?

D. António Francisco dos Santos (AFS) – A Missão Jubilar é o desenvolvimento de um projeto pastoral que nasceu há cinco anos. Cheguei à diocese há sete anos e senti que, na perspetiva dos 75 anos da restauração da diocese, no contexto dos 50 anos do Concílio Vaticano II, e no espírito de uma Igreja jovem que se quer renovar cada vez mais, pudesse lançar um grande projeto envolvente e mobilizador de toda a Igreja.

Fomos no sentido da Nova Evangelização ao encontro de todos e de cada, nas suas casas e na sua vida concreta. Aqui chegámos e daqui partiremos, agora com renovado vigor, aumentado entusiasmo, e com um sentido de alegria dado à Missão Jubilar, para nos sentirmos uma Igreja feliz, porque somos discípulos de Jesus Cristo, porque vivemos nesta terra abençoada que Deus quis para nós e também porque temos um projeto de construção de um mundo melhor a que a Igreja tem de se lançar com alegria, com renovado entusiasmo e com sentido de um mundo novo, de encontro com todos para levar o anúncio do Evangelho de Jesus Cristo.

 

AE – O trabalho foi por isso transversal às paróquias, arciprestados, a toda a diocese.

AFS – Quisemos envolver toda a gente. Essa foi uma das caraterísticas muito belas da nossa Missão – todos envolvidos, todos necessários.

É um trabalho de uma Igreja comunhão que quis envolver leigos, consagrados, religiosos, diáconos, sacerdotes e bispo. Encontrámos pessoas disponíveis para serem mensageiros, missionários e coordenadores da Missão. Não foi apenas uma iniciativa do bispo, não foi um envolvimento de alguns mas um trabalho de todos.

O projeto, na sua intuição inicial, pretendia lançar a Igreja neste movimento, onde todos tivessem lugar, de abertura e ir, com uma alegria muito grande, ao encontro daqueles que vivem distantes da Igreja, ou estão esquecidos deste caminho de vida cristã. Ninguém ficou de fora, a ninguém esquecemos. Precisamos e contamos com todos.

Encontrar tanta gente que se mobilizou e trabalhou pela Missão, foi certamente um dos frutos mais abençoados desta iniciativa. A ação da Igreja, a Missão Jubilar, é um trabalho de todos. Este espírito de Isaías «O Senhor me ungiu e me enviou a anunciar o Evangelho», que no início me inspirou. Depois retomada esta palavra por Jesus Cristo na sinagoga de Nazaré onde ele disse «Esta palavra cumpriu-se hoje e aqui». Este «hoje e aqui» é este tempo dos 75 anos da diocese e o «aqui» é Aveiro, estas 101 paróquias, nestes 101 pedacinhos de barco que nós fizemos como símbolo da nossa Missão, que se reúne e se congrega para ser uma Igreja muito jovem, muito feliz, discípula de Jesus Cristo e sentindo que é enviada ao mundo que queremos servir. O nosso lema é «Amar a Deus é servir».

 

AE – Ganharam uma maior participação dos leigos?

AFS – Temos, graças a Deus, leigos muito bem formados em Aveiro. Houve um grande trabalho ao longo destes 75 anos e isso é certamente um dom com que contamos.

Realizámos catequeses nas paróquias ao mesmo tempo, com catequistas que nós chamamos missionários enviados nos caminhos cruzados da nossa diocese. Mas a formação não terminou, não se cumpriu. É necessário envolver todos os leigos e a Igreja de Aveiro é uma Igreja muito aberta e empenhada neste trabalho conjunto de todo o laicado.

Penso que os leigos de Aveiro sentiram que a missão é tanto sua, como dos sacerdotes, como do bispo.

 

AE – A Missão Jubilar foi uma missão muito cuidada – com uma meta, cada momento apresentava um slogan – foi muito pensado para chegar a todos?

AFS – A Missão foi preparada ao longo de muito tempo. O itinerário de planificação pastoral de cinco anos que culminou aqui e daqui quer partir para um novo quinquénio pastoral, diz-nos que tudo foi muito bem refletido.

O trabalho do coordenador da Missão Jubilar, o padre Francisco Melo, da equipa de coordenação e o que realizámos em todas as paróquias, arciprestados e as instâncias de participação e corresponsabilidade na diocese, permitiu que esta Missão fosse muito bem preparada. Por isso ela resultou nos seus frutos de organização.

Tivemos sempre presente e com muito cuidado a pedagogia e a metodologia nova que quisemos imprimir na missão. Isso foi um trabalho de muito esforço mas também muito gratificante, porque encontrámos pessoas sempre disponíveis e capazes de elaborar as iniciativas e de as tornar muito belas. Procurámos ter muito cuidado com os subsídios, com os contributos, com a elaboração os textos.

O gabinete de imagem e comunicação da diocese teve um trabalho preponderante na dinamização e divulgação de todos os materiais que foram concebidos para que Missão resultasse e o trabalho fosse sendo acolhido.

Estamos numa cidade e região muito valorizada a nível cultural. O trabalho com outras instituições, concretamente, com a Universidade, deu-nos essa mais-valia de podermos contar com pessoas de muita qualidade que nos deram um valioso contributo.

 

AE – Houve vários momentos em que reuniram milhares de pessoas. Que mensagem fica dessas reuniões numerosas?

AFS – Tivemos iniciativas voltadas para a paróquia, outras programadas a nível arciprestal e ainda iniciativas a nível diocesano que mobilizaram milhares de pessoas. A mensagem era dirigida todos os meses, no dia 11 – dia em que foi executada a Bula da restauração da diocese, que celebraremos a 11 de dezembro como o dia da memória e da restauração – mas o envolvimento de multidões de pessoas permitiu-nos lançar esta bela mensagem de que a Igreja de Jesus Cristo está aberta a todos e temos de ser nós os protagonistas da missão e da evangelização.

Os milhares de pessoas não vieram como espetadores mas como participantes e protagonistas porque também eles são elementos determinantes da missão, também missionários em nome do Senhor.

 

AE – Que momento destacaria?

AFS – Penso que o grande momento de destaque foi o espírito e a alma nova que se conseguiu imprimir na Igreja de Aveiro. Sentirmo-nos discípulos felizes de Jesus Cristo, procurar viver as bem-aventuranças na sua plena aplicação e compromisso e ao mesmo tempo, sentirmo-nos uma Igreja feliz neste mundo e neste tempo em que os desafios são enormes.

Houve momentos de grande dimensão como aconteceu na peregrinação do dia 11 e 12 de maio ao túmulo de Santa Joana e a celebração no coração da cidade. Mas desde o início, no dia 21 de outubro de 2012, na abertura da Missão, eu senti que este era um caminho que Deus quer – muito bom, belo e necessário para a Igreja de Aveiro. E o Papa Francisco veio trazer uma forma e um sentido de proximidade, de bondade e de comunhão que eu gostaria de imprimir em cada paz que dou, em cada palavra que digo, em cada gesto que assumo e em cada serviço da vida de Aveiro.

E gostaria de dar graças a Deus pelos sacerdotes, pelos diáconos, pelos consagrados, pelos leigos porque é com eles que esta Igreja se torna bela e feliz.

 

AE – A Missão juntou famílias, jovens, adultos. Todos se uniram. Foi uma forma de mostrar que os setores da Igreja não se devem fechar em si, mas devem trabalhar em conjunto?

AFS – Esse foi um dos aspetos fundamentais. Muitas vezes trabalhamos em Igreja de forma parcelar, setorizada, reduzindo-nos ao nosso canto, à nossa pequenina capelinha. Nós fizemos uma experiência e tivemos a alegria de encontrar acolhimento e disponibilidade.

Foi preciso trabalhar, ser paciente, ser mais demorado do que inicialmente gostaria, mas para fazer compreender a todos que só assim é que somos verdadeiro rosto missionário de uma Igreja que é uma só Igreja.

Percebemos, na peregrinação diocesana dos dias 11 e 12 de maio, uma Igreja una, unida e única, onde as crianças viam simultaneamente os seus catequistas e os professores de Educação Moral e Religiosa Católica, os animadores da sua comunidade cristã, viam párocos, a sua família inteira, e viam os seus vizinhos, percebendo a proximidade e a capacidade de vizinhança que os mensageiros nos ajudaram a traduzir mensalmente, levando a 93 mil famílias uma mensagem e um convite para que as iniciativas fossem assumidas, vividas e realizadas para todos; levou-nos a compreender que não podemos ser uma Igreja de setores mas temos de ser esse conjunto, que o símbolo do barco – sublinho esta imagem do barco porque somos uma terra de ria e de mar, entendemos bem esta linguagem – distribuído em todas as paróquias, que o guardaram durante o ano e agora se reuniram para dizer que somos o mesmo barco, com o mesmo timoneiro que é Cristo, todos a rumar no mesmo sentido neste tempo que é o nosso.

 

AE – Abriu-se um caminho?

AFS – Foi um pequeno passo, dado com muita firmeza, para um grande caminho que está aberto que é sempre de esperança, de renovação e de futuro. É essa a missão da Igreja e, hoje, Aveiro, tem a oportunidade de ter dado este passo e sentir a alegria para o caminho que queremos construir.

Hoje a porta do caminho de Evangelho, e permita-me referir o tema da Exortação Apostólica, «A alegria de evangelizar», esta doce e reconfortante alegria de evangelizar está presente nesta Igreja de Aveiro e é isso que queremos cumprir.

 

AE – Aconteceram várias atividades de âmbito cultural e debates que tocaram o quotidiano, assuntos que podem achar mais fraturantes. Que mensagens procuraram emitir estes diálogos sobre estes quatro temas fraturantes (Ação Social. Protagonistas; Economia e o mundo operário: Oportunidades; Ecumenismo e Diálogo Inter-Religioso: Rumos; Família, casamento e sexualidade: realidades)?

AFS – Quisemos viver a Missão Jubilar não apenas voltados para o interior da Igreja. Fortalecendo este espírito das bem-aventuranças e vivendo como discípulos de Jesus Cristo, sentimo-nos enviados a todos, no abrir de braços e alargar horizontes no coração, para saber que só no diálogo e no mundo da cultura, da educação, do trabalho, da família, com os desafios do nosso tempo, das novas pobrezas, das dificuldades que a crise nos traz, vemos isso como uma oportunidade de diálogo e abertura.

Trouxemos pessoas dos mais variados lugares, conceções e perspetivas, mas todos nos ajudaram. Tivemos ainda a alegria de ver que esta iniciativa quer a nível cultural, nos debates e concertos de música, nos ajudaram a perceber que há muitas pessoas que estão atentas à voz da Igreja de outras formas e em outras áreas. Este utilizar de novas linguagens, o escutar outras pessoas que não são as que estão especificamente no interior da igreja, alargou o nosso horizonte de convívio, contacto e aprofundamento da nossa reflexão. Todos ajudaram a Igreja a perceber que a nossa missão é mais alargada e mais ampla do que julgávamos.

A participação foi enorme e isso mostra que este é o caminho a continuar. As sessões de debates, a exposição, os concertos, as iniciativas de diálogo e encontro com pessoas do mundo da cultura, do trabalho e outras áreas, leva-nos a dizer que temos de estar sempre com este olhar de abertura ao mundo e capacidade de nos ouvirmos e dialogarmos.

Estas são as novas periferias onde o papa Francisco nos convida a ir e estas são as novas linguagens que a Igreja há muito tem.

Temos de agradecer a todos os que aceitaram o convite e reconhecer que este foi um meio muito válido de viver a Missão Jubilar, aberta a outros meios que habitualmente a Igreja não se abre facilmente.

 

AE – Foi um ano que não teve apenas momentos alegres, nomeadamente na morte do bispo emérito, D. António Marcelino. A união notou-se também nesses momentos?

AFS – Nós sentimos que a Igreja é sempre lugar e escola de esperança e vida. O momento mais difícil que vivemos este ano foi a doença do D. António Marcelino. Procurámos acompanhá-lo com zelo e carinho em todos os dias. Teve uma homenagem de gratidão e comunhão aquando da morte e das exéquias solenes, com uma participação numerosa de pessoas, e após um mês da sua morte.

Sobretudo queremos guardar uma memória abençoada de tudo quanto ele foi, enquanto bispo tão generoso e dedicado para a Igreja de Aveiro, e de tudo o que nos deixou num ministério riquíssimo, numa abertura enorme. Ele próprio se envolveu nesta aventura da Missão Jubilar porque preparou as catequeses que se fizeram em todas as paróquias na diocese durante a Quaresma.

Ele junto de Deus continua hoje a ser bênção para nós. O dom de termos ao longo do tempo, quatro bispos que serviram a Igreja de Aveiro com dedicação confere-me um dever de grande gratidão para com eles, e ao mesmo tempo procurar merecer tudo o quanto eles foram e serviram nesta Igreja de Aveiro. Com extraordinária dedicação e um exemplo magnífico, todos vamos recordar. 

 

AE – As dioceses, Aveiro não é exceção, sofrem com o envelhecimento dos sacerdotes. A 17 de novembro ordenou três sacerdotes. Que significado tem a ordenação destes novos padres junto do clero, mas também pelo facto de terem sido ordenados nesta Missão Jubilar?

AFS – Nós tivemos a preocupação de olhar a todos mas tivemos gestos e momentos significativos neste caminhar em missão. Um deles foi a abertura da Casa Sacerdotal procurando cuidar com zelo os sacerdotes mais idosos e doentes, assim como as pessoas que os acompanharam durante a vida. Outro foi a ordenação de diáconos permanentes e de três novos sacerdotes.

Desde 2001, a Igreja de Aveiro contou com seis novos sacerdotes, a que se juntam estes três. Ter a graça e a bênção de ordenar três no mesmo dia e neste tempo de Missão Jubilar foi um dos marcos maiores do caminho.

Dou graças a Deus por isso mas porque eles significam uma esperança renovada neste contexto das vocações que eu sinto a surgir na diocese. Reorganizámos o Seminário de Santa Joana, o pré-Seminário está a trabalhar muito e bem na diocese. Os seminaristas maiores estão no patriarcado de Lisboa, no Seminário de São José de Caparide e no Seminário de Cristo-Rei dos Olivais, e vemos surgir em número e em cultura vocacional. Futuramente a Igreja de Aveiro vai contar com mais vocações e com mais sacerdotes que começam a surgir.

É uma esperança que diariamente eu transporto ao coração de Deus e é uma esperança que antevejo como uma grande certeza.

É o culminar de todo o trabalho vocacional, juvenil e nos seminários que se tem realizado. Sinto que as próprias comunidades viveram o momento da ordenação dos três sacerdotes com um empenho e alegria visíveis. A Sé foi pequena para acolher tanta gente que veio de todos os cantos da diocese, se manteve de pé, no átrio, para celebrar de forma jubilar e em espírito de missão o dia da ordenação do padre Leonel, do padre Nuno e do padre Vítor.

 

AE – D. António Francisco dos Santos ajoelhou-se aos pés dos novos sacerdotes. O que significou esse gesto?

AFS – Significa que agradeço a Deus o dom dos sacerdotes que temos. Inspirei-me no gesto do Papa Francisco quando apareceu à janela da Basílica, na Praça de São Pedro, após a sua eleição, antes de abençoar a Igreja universal e a multidão que ali se reunia, pediu que o abençoassem a ele. Antes de abençoarmos a assembleia tão numerosa que estava na nossa Sé eu pedi aos novos sacerdotes, que são bênção de Deus para este povo, que abençoassem o bispo e nele, abençoassem toda a diocese.

 

AE – Para si, pessoalmente, o que significou esta Missão Jubilar?

AFS – Para mim foi uma graça e uma bênção muito grande. Significou que as palavras do profeta Isaías se fizeram minhas também. O bispo tem de ser profeta – na ousadia, na renovação, na capacidade de mudança, na criatividade de novos caminhos.

Esta é a terra é a minha terra e onde eu tenho de dizer, todos os dias, que a palavra do profeta Isaías se cumpriu. Porque também a mim o Senhor ungiu, me trouxe até estas terras abençoadas e amadas de Aveiro, e me envia a proclamar a boa nova. Por isso fiz das bem-aventuranças o programa desta missão e o lema da minha vida de bispo.

MD/LS

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