Última década diversificou panorama das migrações em Portugal

Maria do Rosário Farmhouse, alta comissária para a Imigração e o Diálogo Intercultural, fala num país que hoje acolhe 175 nacionalidades diferentes

Rosário Farmhouse, licenciada em Antropologia com especialização em Antropologia Social, dirige desde 2008 o Alto Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural (ACIDI). Antiga directora do Serviço Jesuíta aos Refugiados, recebeu há três anos o Prémio Padre António Vieira pela sua actividade a favor dos direitos humanos e da integração dos imigrantes em Portugal.

Em entrevista à Agência ECCLESIA, passa em revista a última década das migrações em Portugal, com destaque para o novo fluxo de imigrantes, que chegam de diferentes proveniências.

 

Agência ECCLESIA (AE) – Como retrata esta última década de migrações?

Rosário Farmhouse (RF) – A grande diferença que surgiu foi a diversidade de nacionalidades que chegaram a Portugal. Até aos finais da década de 90, princípios de 2000, tínhamos imigrantes provenientes essencialmente da África ou da Ásia – países como a Índia e a China.

Já nesta última década, tivemos uma diversidade muito maior, principalmente com os fluxos de Leste, os emigrantes eslavos vindos da Ucrânia, Moldávia, Roménia e também a Rússia, embora esta em menor número.

Neste momento temos mais de 175 nacionalidades diferentes, daí afirmar que a grande diferença é a diversidade. Obviamente, o número também subiu, porque os imigrantes são muitos mais do que eram há 10 anos.

Acrescento também o facto destes novos imigrantes serem provenientes de zonas com as quais Portugal não tinha ligações culturais tão fortes, algo que fez com que acordássemos para a condição de país de acolhimento, pois até há pouco tempo víamo-nos mais como país de partida.

 

AE – A comunidade africana queixa-se disso…

RF – Imagino que possa queixar-se, mas de facto até aqui a comunidade africana era muito vista como tendo raízes tão profundas com Portugal que não se consideravam estrangeiros. Isso, por um lado, podia ser uma forma de ofuscar ou disfarçar alguns problemas; por outro, também era um sinal de que, para os portugueses, eles faziam parte da nossa casa.

Também o facto de não se ter dispersado tanto, geograficamente, fez com que a comunidade africana fosse mais reconhecida, quer na Grande Lisboa e em Setúbal, essencialmente, quer no sul do país, no Algarve.

A comunidade eslava, tal como a comunidade brasileira, nos últimos 10 anos, teve a característica de se dispersar pelo país inteiro. Foi isso que fez acordar as comunidades que estavam mais distantes das grandes cidades e principalmente a Igreja Católica.

As comunidades católicas foram as primeiras a abrir as portas a esta diversidade e a quererem estar preparadas para aceitar o desafio de ver como se pode responder a estas pessoas, que não falam a nossa língua, que não têm trabalho, que precisam de ajuda nas mais diferentes áreas. Portugal agitou-se, a verdade é que o país acordou para isso.

 

AE – Nesta questão do acolhimento e da ajuda à integração dos imigrantes, considera que a sociedade civil, as estruturas governamentais e a Igreja têm dado os passos certos?

RF – Sim, penso que nós, talvez por sermos um país de acolhimento recente, pudemos aproveitar aquilo que de melhor se faz noutros países, em termos de boas práticas. É algo que também tem muito a ver com a nossa história, com a nossa caracterização como povo, que se reflectiu nesta abertura que a sociedade civil fez logo, através das mais diversas associações, principalmente na Igreja Católica, desenhando aquilo que seria um ideal, no acolhimento aos imigrantes.

Isto, em conjunto com o consenso político que se criou, permitiu desenhar políticas que são reconhecidas internacionalmente, quer no passado quer actualmente.

No que diz respeito ao ACIDI, nós queremos sempre mais e melhor e por isso, neste momento, continuamos com metas ambiciosas no nosso plano 2010-2013.

 

AE – Quais são as grandes novidades que o segundo Plano de Integração dos Imigrantes apresenta?

RF – Uma atenção especial aos imigrantes idosos, algo que vem dizer também que Portugal, afinal, é um país de acolhimento há bem mais tempo do que se imagina. Aqui temos essencialmente os imigrantes africanos, que já cá estavam, de quem nós não tínhamos dado conta, por diversas razões.

Neste momento temos principalmente idosas, viúvas idosas, em zonas do Centro Histórico da cidade de Lisboa, a viverem em condições difíceis e que precisam de ser ajudadas.

Para além desta atenção especial aos idosos, o plano olha também para a promoção da diversidade e da interculturalidade, porque, numa altura de crise, consideramos importante dar maior visibilidade aos valores. É uma altura para mostramos melhor o que somos e o que temos, e sermos capazes de valorizar cada um como peça fundamental para o desenvolvimento de Portugal.

É isso que queremos concretizar, não deixando que a crise nos transforme cada vez mais em egoístas, achando que são os estrangeiros que nos estão a dificultar o desenvolvimento, quando eles são, na verdade, um grande factor para o nosso desenvolvimento económico.

 

AE – Nota-se ainda a ideia de que, por exemplo, os imigrantes estão cá para roubarem postos de trabalho? Neste contexto de crise, qual é a melhor atitude a tomar?

RF – O nosso Observatório de Imigração, através dos seus estudos académicos, tem ajudado a desconstruir estes mitos. Na verdade, os imigrantes estão a trabalhar em áreas que os portugueses já não querem, ou estão a colaborar em áreas que dizem respeito à sua especialidade e especificidade, trabalhos que são atribuídos independentemente da origem da pessoa, que chegou lá por mérito próprio, não por ser estrangeira.

 

AE – Os imigrantes estão a ajudar-nos a sair da crise?

RF – Penso que sim. Primeiro, pela sua capacidade empreendedora, são capazes de partir à procura de um mundo melhor. Não sentem que tenham muito a perder por arriscar e arriscam muito mais do que os portugueses. Não se deixam abater tão facilmente, perante as adversidades, porque não foi isso que os fez vir.

Posso dizer que a ACIDI está a levar a cabo um programa de empreendedorismo imigrante que está a ter um sucesso enorme. São pequenas coisas, mas que fazem a diferença e que estão a dar trabalho, quer a imigrantes quer a portugueses.

É também interessante verificar que, apesar de estarmos nesta crise tão complexa e profunda, não sentimos que eles estejam a regressar a casa. Tirando os imigrantes brasileiros – muitos deles voltaram a casa porque o seu país está, felizmente, em expansão – os outros acreditam que é possível Portugal voltar a estar bem. Só este factor ajuda a que a nossa auto-estima esteja melhor.

Eles dão-nos essa força. Agora, cada um de nós tem de ser capaz de tornar possível a mudança que quer ver acontecer, não podemos ficar à espera que alguém faça algo por nós.

PR/JCP/OC

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Agência ECCLESIA

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