Francisco diz que guerra nunca se reduz a distinção entre «bons e maus»
Cidade do Vaticano 14 jun 2022 (Ecclesia) – O Papa disse, numa intervenção divulgada hoje, que o “povo heroico” da Ucrânia está a ser vítima de uma guerra de “interesses globais”, apelando a superar uma visão que reduz a realidade a “bons e maus”.
“O que está perante os nossos olhos é uma situação de guerra mundial, de interesses globais, de venda de armas e de apropriação geopolítica, que está a martirizar um povo heroico”, referiu Francisco, em conversa com os diretores das revistas culturais europeias da Companhia de Jesus (Jesuítas), incluindo a ‘Brotéria’, de Portugal.
A audiência, na biblioteca privada do Palácio Apostólico, decorreu a 19 de maio.
Questionado sobre a guerra na Ucrânia, o Papa sustentou que é necessário rejeitar “o padrão normal do ‘Capuchinho Vermelho’”.
“Aqui não há bons e maus em termos metafísicos, de uma forma abstrata. Algo de global está a emergir, com elementos que estão muito interligados”, precisou.
Francisco citou, a este respeito, um encontro que teve, antes da guerra, com um chefe de Estado, o qual deixava alertas sobre “a forma como a NATO se estava a mover”, face às conceções “imperiais” da Rússia.
O Papa sublinhou que o conflito é “monstruoso”, desafiando a olhar para “o drama que se está a desenrolar por detrás desta guerra, que talvez tenha sido de alguma forma provocada ou não impedida”.
“Aquilo a que estamos a assistir são a brutalidade e a ferocidade com que esta guerra está a ser levada a cabo pelas tropas, geralmente mercenárias, utilizadas pelos russos. E os russos preferem, de facto, colocar na linha da frente chechenos, sírios, mercenários”, acrescentou.
Alguém me poderia dizer neste momento: mas o Papa é pró-Putin! Não, não sou. Seria simplista e errado dizer uma coisa desse género. Sou simplesmente contra a redução da complexidade à distinção entre os bons e os maus sem raciocínio sobre as raízes e interesses, que são muito complexos. Enquanto assistimos à ferocidade, à crueldade das tropas russas, não devemos esquecer os problemas, a fim de tentar resolvê-los”.
Francisco sublinha que os russos encontraram na Ucrânia “um povo corajoso, um povo que luta pela sobrevivência e que tem uma história de luta na sua própria história”.
A conversa abordou outos conflitos, com que “ninguém se importa”.
“Gostaria que as vossas revistas abordassem o lado humano da guerra. Gostaria que as vossas revistas fizessem as pessoas compreender o drama humano da guerra. É muito bom fazer um cálculo geopolítico, estudar as coisas em profundidade. Têm de o fazer porque é a vossa missão. Mas procurem também transmitir o drama humano da guerra”, pediu aos responsáveis jesuítas, incluindo o padre José Frazão Correia, da ‘Brotéria’.
O Papa falou ainda da situação da Igreja Católica, identificando como um dos seus principais problemas a “não-aceitação do Concílio” Vaticano II (1962-1965).
“O restauracionismo chegou para amordaçar o Concílio. O número de grupos ‘restauracionistas’ – por exemplo, nos Estados Unidos são imensos – é impressionante”, apontou.
Francisco identificou “sinais de renovação”, como “grupos que dão um novo rosto à Igreja através da assistência social ou pastoral”.
O Papa foi abordado sobre as polémicas que surgiram no percurso sinodal da Alemanha, referindo que é necessário rejeitar “pressões externas” e evitar um trabalho focado exclusivamente em “elites intelectuais, teológicas”.
OC
Um responsável do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros afirmou, esta segunda-feira, que o país mantém um “diálogo aberto e reservado” com o Vaticano sobre o conflito na Ucrânia.
Alexey Paramonov sublinhou, em entrevista, que a Santa Sé já se disponibilizou para “fornecer todo o tipo de ajuda para alcançar a paz e colocar fim às hostilidades na Ucrânia”. |
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