Turquia: «Está em jogo o futuro da humanidade», alerta o Papa, perante cenário de guerras e conflitos

Leão XIV elogia papel de «ponte» do país e pede sociedade plural contra a «globalização da indiferença»

Foto: Lusa/EPA

Ancara, 27 nov 2025 (Ecclesia) – O Papa alertou hoje, em Ancara, para a necessidade de evitar uma “terceira guerra mundial em pedaços”, como dizia Francisco, seu antecessor, apelando ao diálogo e à estabilidade para superar cenários de guerras e conflitos.

“Está em jogo o futuro da humanidade, porque as energias e os recursos absorvidos por essa dinâmica destrutiva são retirados dos verdadeiros desafios atuais que a família humana deveria enfrentar unida, ou seja, a paz, a luta contra a fome e a miséria, e também pela saúde, educação e salvaguarda da criação”, declarou Leão XIV, no primeiro discurso da sua viagem à Turquia, perante responsáveis políticos, representantes da sociedade e membros do corpo diplomático.

O pontífice falou de “uma fase de grande conflito a nível global, em que prevalecem estratégias de poder económico e militar”.

“Não devemos ceder de forma alguma a esta tendência”, insistiu.

No encontro realizado na Biblioteca Nacional, Leão XIV elogiou o papel da Turquia como “ponte” entre Oriente e Ocidente e apelou a uma sociedade plural que rejeite a polarização.

A intervenção inaugural da primeira viagem internacional do pontificado recordou que a “beleza natural” e a “riqueza cultural” do país, convidando a “cuidar da criação de Deus” e a valorizar o encontro entre diferentes tradições.

“Tendes um lugar importante no presente e no futuro do Mediterrâneo e do mundo inteiro, ao valorizar, antes de tudo, as vossas diversidades internas”, afirmou Leão XIV, sublinhando que “uma sociedade só está viva se for plural”.

O Papa, que escolheu a imagem da ponte sobre o Estreito de Dardanelos como símbolo da viagem, alertou para o risco de as comunidades humanas estarem “cada vez mais polarizadas e dilaceradas por posições extremadas”.

A visita à Turquia de quatro Papas – Paulo VI, em 1967; João Paulo II, em 1979; Bento XVI, em 2006; e Francisco, em 2014 – atesta que a Santa Sé não só mantém boas relações com a República da Turquia, mas deseja cooperar na construção de um mundo melhor com a contribuição deste país, que constitui uma ponte entre o Oriente e o Ocidente, entre a Ásia e a Europa”.

Citando São João XXIII, Angelo Roncalli, recordado pela sua ligação à Turquia como núncio apostólico (embaixador da Santa Sé) entre 1935 e 1945, Leão XIV garantiu que os cristãos “são e se sentem parte da identidade turca” e desejam contribuir para a unidade nacional, rejeitando a lógica de fecho em “círculos limitados”.

O pontífice evocou ainda o legado do Papa Francisco e a sua luta contra a “globalização da indiferença”, defendendo que a justiça e a misericórdia devem “desafiar a lei do mais forte”.

“Numa sociedade como a turca, onde a religião desempenha um papel visível, é fundamental honrar a dignidade e a liberdade de todos os filhos de Deus: homens e mulheres, compatriotas e estrangeiros, pobres e ricos. Todos somos filhos de Deus e isso tem consequências pessoais, sociais e políticas”, sustentou.

Leão XIV abordou também os desafios da tecnologia, advertindo que a Inteligência Artificial pode “acentuar as injustiças” se não for orientada para o bem comum, e fez uma defesa vigorosa da família como “primeiro núcleo da vida social”.

“Não é a partir de uma cultura individualista, nem do desprezo pelo matrimónio e pela fecundidade, que as pessoas podem obter maiores oportunidades de vida e felicidade”, declarou, criticando o “engano das economias consumistas, em que a solidão se torna negócio”.

O Papa valorizou especificamente a “contribuição feminina” na vida profissional e política, concluindo com um apelo a caminhar juntos “na verdade e amizade”.

Que a Turquia possa ser um fator de estabilidade e aproximação entre os povos, a serviço de uma paz justa e duradoura.”

Antes deste encontro, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, recebeu o Papa no Complexo Presidencial, onde se reuniu em privado com Leão XIV durante cerca de meia hora.

Já na Biblioteca Nacional, Erdogan manifestou a esperança de que a viagem papal e as suas mensagens ajudem a “aumentar as esperanças de paz no mundo”.

O chefe de Estado turco assinalou que a visita de Leão XIV “coincide com um momento extremamente crítico no contexto dos acontecimentos regionais e globais”.

“Nos últimos dias, temos acompanhado de perto os movimentos para pôr fim à guerra entre a Rússia e a Ucrânia e estamos a tentar oferecer o apoio e a contribuição necessários. Os apelos à paz e ao diálogo do nosso estimado convidado são extremamente valiosos para o sucesso do processo diplomático”, declarou.

Após este encontro em Ancara, o Papa segue esta tarde para Istambul, onde na sexta-feira vai participar em momentos de oração com membros da comunidade católica, antes de deslocar até Íznik, para um encontro ecuménico de oração no local das escavações arqueológicas da Basílica de São Neófito.

A antiga cidade de Niceia recebeu em 325 o primeiro concílio ecuménico, com a missão de preservar a unidade da Igreja, perante correntes teológicas que negavam a plena divindade de Jesus Cristo e a sua igualdade com o Pai, reunindo cerca de 300 bispos, convocados pelo imperador Constantino.

Os participantes acabaram por definir o ‘Símbolo de fé’, o Credo, que ainda hoje se professa nas celebrações eucarísticas dominicais.

A viagem, que decorre até 2 de dezembro, termina no Líbano, onde o Papa pretende confortar uma população “ferida por guerras e crises”.

OC

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