Padre Miguel Lopes Neto, Diocese do Algarve, membro RedAlfamed e Universidade de Huelva

O turismo é uma atividade profundamente humana, capaz de transformar olhares, ampliar horizontes e promover encontros enriquecedores entre diferentes culturas. Contudo, esta prática tão vital para a economia global e para a interação humana enfrenta hoje desafios que exigem uma resposta urgente e consciente: a sustentabilidade e o respeito pela dignidade de todos os que nela trabalham, especialmente os estrangeiros que fazem do turismo o seu meio de subsistência.
No contexto da celebração do 46.º Dia Mundial do Turismo, sob o tema “Turismo e Transformação Sustentável”, é oportuno sublinhar a mensagem recente, que destaca a responsabilidade pessoal e coletiva em relação ao ambiente e à justiça social. Como bem expresso na referida mensagem, o turismo não pode mais ser encarado apenas como uma fonte inesgotável de lucros rápidos. É imperativo compreender que o nosso planeta é uma “casa comum”, cuja proteção e cuidado não podem ser delegados a poucos. Esta responsabilidade pertence a todos: turistas, operadores turísticos e comunidades locais.
O turismo sustentável não é mais uma opção, como, aliás, a Pastoral do Turismo Nacional tem vindo a sublinhar, nomeadamente no livro Caminhos e Destinos da Pastoral do Turismo – LAUDATO SI’ (Costa et al, 2024)[1], mas uma condição essencial para o futuro do setor. Cada viagem envolve recursos naturais, que são preciosos e limitados. A água, o ar limpo, a biodiversidade e a integridade cultural dos destinos visitados são bens que merecem respeito e proteção constantes. É necessário, portanto, despertar nos turistas e operadores turísticos uma consciência profunda sobre o impacto das suas ações.
A reflexão proposta na mensagem destaca o exemplo concreto da água, um recurso essencial que exige práticas responsáveis no seu uso diário, especialmente em locais turísticos, onde o consumo é intenso. A sustentabilidade no turismo deve envolver, além disso, práticas que reduzam a poluição, promovam transportes menos nocivos e garantam o uso racional dos recursos locais. Não se trata apenas de proteger o ambiente, mas sim, de assegurar que as gerações atuais e futuras possam continuar a desfrutar da beleza natural e cultural do nosso mundo.
A sustentabilidade não se limita ao ambiente; inclui, também, a dimensão humana (Lopes-Neto at al.,2023, pp. 7-24)[2] , identificada, também, por instituições de nível mundial, como a Organização das Nações Unidas, “nomeadamente quando, na sua proposta da Agenda 2030, aponta os vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), objetivos esses, que, centrados na questão da sustentabilidade”, nos remetem para “a promoção da educação/formação, para o respeito pelo outro, pela justiça e igualdade , por exemplo, na definição de salários e, ainda, para o respeito pela diversidade cultural, religiosa, patrimonial, como forma de garantir atratividade, melhoria de condições de vida e, sobretudo, o tal equilíbrio e respeito que tornará qualquer atividade mais integralmente ecológica”. Do mesmo modo, a Comissão Europeia e o Green Deal, têm traçado um caminho que procurar atingir a neutralidade climática da União Europeia até 2050 (Côrtes-Moreira, 2023, p. 196)[3].
O crescimento do turismo frequentemente gera uma procura elevada por mão de obra, muitas vezes preenchida por estrangeiros que buscam melhores condições de vida longe das suas terras de origem. Estas pessoas, essenciais à dinâmica turística, têm frequentemente sido vítimas de precariedade laboral, baixos salários e condições indignas de trabalho.
A mensagem do Dia Mundial do Turismo lembra-nos que “o justo salário é o fruto legítimo do trabalho”. A dignidade humana deve prevalecer sobre a procura desenfreada pelo lucro. É fundamental que as empresas e operadores turísticos assegurem condições laborais justas e dignas, promovendo a integração real e a valorização humana de todos os trabalhadores, especialmente daqueles que vivem longe da sua terra natal. A justiça social é um pilar essencial do desenvolvimento sustentável.
Além das dimensões ambiental e social, o turismo sustentável implica, ainda, uma dimensão espiritual e cultural. As viagens permitem encontros profundos, interações culturais e interpessoais que promovem o respeito mútuo, a solidariedade e o crescimento espiritual. Neste contexto, lugares sagrados, como Santuários, desempenham um papel crucial. Acolher turistas e peregrinos com respeito pela sua integridade espiritual e humana é tão importante quanto preservar os recursos naturais.
A Igreja, enquanto agente ativo neste campo, tem uma responsabilidade especial. As comunidades eclesiais e os responsáveis pelos Santuários têm o dever de contribuir para que estes locais permaneçam espaços autênticos de espiritualidade, paz e reflexão.
O IX Congresso Mundial da Pastoral do Turismo, previsto para outubro deste ano em Roma, será certamente uma ocasião valiosa para aprofundar estas questões e reforçar os compromissos da Igreja nesta área.
O turismo sustentável e justo não é apenas um ideal; é uma necessidade urgente, que pede o empenho sincero e contínuo de todos nós. Precisamos de turistas conscientes, operadores turísticos responsáveis, trabalhadores valorizados e comunidades acolhedoras. Só assim será possível um futuro em que o turismo continue a ser fonte de crescimento pessoal, social e espiritual, respeitando sempre a dignidade humana e o ambiente que nos acolhe.
Neste início da época balnear, que possamos assumir este compromisso com coragem e responsabilidade, reconhecendo que o turismo, quando praticado de forma sustentável e justa, é um instrumento poderoso de transformação positiva, integração humana e promoção da paz global.
[1] Costa, C., Franca, M., Lopes-Neto, M. & Côrtes-Moreira, S. (coord.); Fernandes, A., Santos, J., Pimenta, J. e Theotónio, J. (colab.) (2024). Caminhos e Destinos da Pastoral do Turismo – LAUDATO SI’. PTP/CEP. https://doi.org/10.13140/RG.2.2.20993.63842
[2] Lopes Neto, M., Franca, M. & Cortes Moreira, S. (2023). Una Pastoral del Turismo Laudato Si: renovar el valor de las personas y de la casa común. Revista Aragonesa de Teologia, Año XXIX – Nº 58 – 2023 / julio – diciembre, págs. 7-24. Centro Regional de Estudios Teológicos de Aragón. https://doi.org/10.59853/RAT 58-2023-0106
[3] Côrtes-Moreira, S.; Franca, M.; Lopes-Neto, M; Costa, C.; Fandos-Igado, M. (2023) O turismo religioso e a promoção do património cultural – a pastoral do turismo – Portugal como estudo de caso. Magalhães, F., Franca, M., Poças Santos, M.G., Vieira, R. & Ferreira, B. (coord.). Religiosidade e Património Cultural. Escola Superior de Educação e Ciências Sociais – Instituto Politécnico de Leiria. ISBN: 978-989-35257-0-8. https://www.ipleiria.pt/esecs/investigacao/edicoes/
(Os artigos de opinião publicados na secção ‘Opinião’ e ‘Rubricas’ do portal da Agência Ecclesia são da responsabilidade de quem os assina e vinculam apenas os seus autores.)