Diretora do Observatório do Tráfico de Seres Humanos afirma que a «erradicação é um objetivo louvável», mas não acredita que «este tipo de crime seja alguma vez erradicado»
Lisboa, 29 mai 2025 (Ecclesia) – A Comissão de Apoio às Vitimas do Tráfico de Pessoas (CAVITP), da Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal (CIRP), dinamizou hoje um colóquio para “sensibilizar, conscientizar as pessoas” para a esta realidade, com diversas organizações, em Lisboa.
“Há uma maior conscientização, embora ainda haja muita, não sei se ignorância ou cegueira sobre este tema, porque é difícil de reconhecer, é muito subtil, e é preciso estar alerta e de olho aberto para detetar. A ideia é ajudar as pessoas a estar alerta, a trabalhar na prevenção, e percebendo, detetando sinais”, disse a presidente da CAVITP, irmã Maria Manoel, em declarações à Agência ECCLESIA.
Ana Pinho, inspetora da Polícia Judiciária, assinalou que “qualquer pessoa pode denunciar” o tráfico de pessoas, porque “é um crime público”, e lembrou que o tráfico de pessoas tem associados outros crimes, “muitas vezes paralelamente”, como “o crime de burla, até numa situação de oferta de trabalho, um crime de lenocínio, um casamento por conveniência e que depois disputou uma situação de tráfico de pessoas”.
“As pessoas sabem que há pessoas que são vulneráveis. O facto, muitas vezes, de ser mulher, de ser negra, de vir de um país que desconheça a língua portuguesa, torna-me mais vulnerável, e as pessoas em Portugal sabem disso e têm já as ferramentas para poder ter sinais de alerta, acima de tudo, em caso de dúvida, denuncie”, acrescentou em declarações aos jornalistas, relançando que “o serviço policial é 24 horas por dia”, por isso, “mais vale denunciar” do que ficar a pensar que se é ou “não é” uma situação e tráfico
A diretora do Observatório do Tráfico de Seres Humanos salientou que os fatores que alimentam o tráfico “são extremamente complexos, são fatores de procura e de oferta”.
“O que está na base tem a ver com pobreza, desigualdade económica, conflitos políticos, armados, alterações climáticas. Tudo o que está na génese é multifatorial e é extremamente complexo, portanto acabar com o tráfico seria acabar com tudo o que está na sua génese”, salientou Rita Penedo, à comunicação social.
A Comissão de Apoio às Vitimas do Tráfico de Pessoas realizou o colóquio ‘No caminho da Esperança pela erradicação do Tráfico de Pessoas’, esta quinta-feira, dia 29, no auditório da Rádio Renascença, em Lisboa; do programa constou também a partilha de duas religiosas da rede mundial ‘Talitha Kum’, e um painel com o jornalista António Marujo, do jornal online 7 Margens, e a Equipa Multidisciplinar e Especializada para Assistência a Vítimas de Tráfico de Seres Humanos (EME de Lisboa), para partilharem como denunciar e informar.
“O objetivo deste evento é basicamente sensibilizar, conscientizar as pessoas para esta realidade do tráfico, está muito mais próximo de nós do que possamos imaginar, está ao nosso lado às vezes”, acrescentou a irmã Maria Manoel, da Congregação das Escravas do Sagrado Coração de Jesus.
A diretora do Observatório do Tráfico de Seres Humanos salientou que “houve um decréscimo” de registo de vítimas de tráfico, segundo os publicados no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) referentes a 2024, explicando que “há anos em que sobe, em que aumenta”, na sequência de “grandes operações” que fazem “disparar as estatísticas”, e depois existem outros anos em que diminui, “não quer necessariamente dizer que o crime diminuiu”, “tem a ver com a deteção que é feita em determinados anos”.
Sobre as vítimas, a especialista explicou que existe “uma regularidade”, há vários anos, “há uma década talvez”, e existe, claramente, uma dimensão de género no tráfico de seres humanos que tem a ver com o principal setor, “a finalidade da exploração”.
“Aquela que é mais sinalizada, atrevo-me a dizer, é o tráfico laboral num setor em concreto, aí tendencialmente registramos sempre mais vítimas do sexo masculino e adultas”, acrescentou Rita Penedo.

A inspetora da Polícia Judiciária, que trabalha numa brigada de crime contra as pessoas, acrescenta, a partir dos dados oficiais do RASI, que têm de “ter sempre muita atenção na forma como analisam este tipo de estatística”, porque “há cifras negras, aquilo que passa ao controle judiciário e policial”, e observou também que se está a viver “um período conturbado em que há uma alteração legislativa”: “já não basta uma mera manifestação de interesse, é preciso ter, efetivamente, um contrato de trabalho e outros requisitos”.
“Este ano de 2025, e vamos ter que aguardar pelos dados finais do RASI, vai ser um ano desafiante, porque temos que perceber qual é o impacto destas alterações legislativas que vai ter ao longo do ano, impacto na denúncia, impacto na colaboração entre entidades e na própria investigação dos casos serem devidamente julgados”, acrescentou Ana Pinho, do Departamento de Investigação Criminal da Guarda.
A partir do tema do colóquio da CAVITP, ‘No caminho da Esperança pela erradicação do Tráfico de Pessoas’, Rita Penedo destaca que acredita “na prevenção primária”, e não ir sempre “atrás do prejuízo quando o tráfico já ocorreu”, e “trabalhar com os países de origem”, mas também Portugal, porque “existe tráfico doméstico, é um país de origem”.
“A erradicação é uma palavra bonita, é um objetivo louvável, mas não creio que este tipo de crime seja alguma vez erradicado. Agora, combater e prevenir e apoiar as vítimas, com certeza” – Diretora do Observatório do Tráfico de Seres Humanos.
CB